Por Melissa Areal Pires, Advogada especialista em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde e Direito do Consumidor.

A ANS decidiu, no último dia 26/3, alterar, por prazo indeterminado mas com possibilidade de revisões periódicas, as regras que valem para os planos de saúde quanto à garantia do atendimento em prazos previamente definidos.

Na semana passada, escrevi que deveríamos ficar atentos a esse movimento da ANS, que já noticiava a futura, e hoje real, alteração da RN 259/2011, que previa os seguintes prazos de atendimento para os planos de saúde:

I – consulta básica – pediatria, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia: em até 7 (sete) dias úteis;

II – consulta nas demais especialidades médicas: em até 14 (quatorze) dias úteis;

III – consulta/sessão com fonoaudiólogo: em até 10 (dez) dias úteis;

IV – consulta/sessão com nutricionista: em até 10 (dez) dias úteis;

V – consulta/sessão com psicólogo: em até 10 (dez) dias úteis;

VI – consulta/sessão com terapeuta ocupacional: em até 10 (dez) dias úteis;

VII – consulta/sessão com fisioterapeuta: em até 10 (dez) dias úteis;

VIII – consulta e procedimentos realizados em consultório/clínica com cirurgião-dentista: em até 7 (sete) dias úteis;

IX – serviços de diagnóstico por laboratório de análises clínicas em regime ambulatorial: em até 3 (três) dias úteis;

X –  demais serviços de diagnóstico e terapia em regime ambulatorial: em até 10 (dez) dias úteis;

XI – procedimentos de alta complexidade – PAC: em até 21 (vinte e um) dias úteis;

XII – atendimento em regime de hospital-dia: em até 10 (dez) dias úteis;

XIII – atendimento em regime de internação eletiva: em até 21 (vinte e um) dias úteis; e

XIV – urgência e emergência: imediato.

A medida confirma que a ANS está seguido a mesma linha de atuação desde o início da pandemia da Covid-19 com relação a esse assunto: recomendou o adiamento à atendimento eletivos e, agora, decide manter a suspensão dos atendimentos nos regimes “hospital-dia” e “internação eletiva”, que estava valendo somente até o dia 31 de maio.

Portanto, a partir de agora, somente os prazos de urgência e emergência estão mantidos. Também estão resguardados atendimento imediato a tratamentos que, se interrompidos ou adiados, a vida do paciente poderá estar em risco. Estão resguardados, por exemplo: atendimentos ao pré-natal, parto e puerpério; doentes crônicos; tratamentos continuados; revisões pós-operatórias; diagnóstico e terapias em oncologia e psiquiatria.

A preocupação é que esta medida cause exatamente o que pretende evitar.

Segundo a ANS, o objetivo da medida é evitar a exposição desnecessária dos usuários do sistema ao risco de contaminação pelo coronavírus. Vejamos: os usuários dos planos que necessitam de atendimento médico que não seja enquadrado como emergência ou urgência, como por exemplo, uma consulta médica, poderão ter que esperar, de acordo com a nova normativa, 14 dias úteis por um pediatra (antes eram 7 dias úteis) e 28 dias úteis com um especialista (antes eram 14 dias úteis).

O que vocês acham que farão esses usuários que não conseguirem atendimento? Farão o que todas as autoridades estão pedindo para não fazer: vão sair do isolamento social e buscar a atendimento nas emergências das clínicas e hospitais e pronto-atendimentos. Assim, já teríamos prejudicado o objetivo da medida da ANS, pois, na realidade, a prorrogação dos prazos de atendimento, em vez de evitar a exposição à contaminação, vai aumentar, pois as pessoas não vão parar de necessitar de assistência médica em outras patologias que não a Covid19, durante a pandemia.

O outro objetivo da medida, que seria reduzir a sobrecarga no atendimento da rede credenciada, também está fadado a ser um tiro no pé, já que é nítido e cristalino que poderá ocorrer o agravamento de diferentes quadros de saúde, não necessariamente vinculados à Covid-19, por causa dessa dilação dos prazos, por causa da falta de assistência em tempo razoável para evitar o agravamento da doença. E, com o agravamento dos quadros, onde o usuário vai buscar atendimento? Nas emergências das clínicas e hospitais e pronto-atendimentos. É importante a gente lembrar que o usuário do sistema é leigo; precisa, muitas vezes, do atendimento médico para saber se o caso é de urgência e/ou emergência.

A preocupação também é no sentido de não desperdiçar esforços e medidas emergenciais que necessariamente precisam ser tomadas nesse momento de crise, como por exemplo, a utilização de recursos de aproximadamente 15 bilhões de reais, sem a devida garantia de melhoria no atendimento, que já era precário enquanto vigiam os prazos anteriores.

A população brasileira vive uma grave crise econômica e os planos precisam usar desses recursos emergenciais para garantir que os usuários possam permanecer no sistema independente da crise, não tendo o plano cancelado por falta de pagamento, por exemplo, enquanto durar o período de calamidade provocada pelo coronavirus.

O Projeto de Lei 846/20 impede a suspensão ou rescisão de contratos de plano de saúde, por qualquer motivo, durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (Covid-19).

O autor, deputado Acácio Favacho (Pros-AP), apresentou o projeto no último dia 23/3, destacando que a falta de leitos para atender a demanda dos infectados por coronavírus é a maior preocupação da OMS e que, neste cenário, não pode ser permitida, pela lei, a suspensão e cancelamento de cobertura por planos de saúde.

Esperamos que o monitoramento das reclamações dos consumidores perante os planos de saúde continue a ser realizado, agora com mais frequência que o habitual, tendo em vista a restrição de direitos trazida pela nova normativa da ANS. Isso porque, em tempos normais, já era comum o noticiário relatar suspensão na comercialização de planos justamente por falta de atendimento dentro do prazos anteriormente fixados.

Em reavaliações da medida ora adotada, é preciso que a ANS considere o problema da falta de assistência decorrente dessa medida, pois, embora foco atual seja no atendimento às consequências da pandemia da Covid-19, há outros pacientes, portadores de outras patologias, que necessitam de respaldo da ANS para que possam dar continuidade a tratamentos que garantem a vida, a saúde e a dignidade em meio a esse momento de tanta turbulência social. É preciso garantir a organização da ANS para que essa flexibilização dos prazos de atendimento não cause mais negativas de cobertura do que o habitual.

Fonte: Melissa Areal Pires

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