Mais de 10 entidades médicas e de defesa do consumidor, além da Promotoria de Saúde do Ministério Público de São Paulo e a Ordem dos Advogados do Brasil, se uniram numa campanha para evitar retrocessos na cobertura de planos de saúde aos cerca de 48,5 milhões de usuários. Em manifesto a ser divulgado nesta quinta-feira, elas vão alertar para o risco do julgamento em curso na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que pode limitar os procedimentos cobertos pelas empresas a uma lista da Agência Nacional de Saúde (ANS), denominada rol de procedimentos.  

Até pouco tempo, prevaleceu na Justiça o entendimento de que o rol de procedimentos, elaborado pela Agência Nacional de Saúde (ANS), era apenas exemplificativo, e cabia às empresas tratar a doença, pagando pelos procedimentos indicados pelos médicos.

 Agora, há divergência no STJ. No mês passado, o relator da matéria, ministro Luís Felipe Salomão, da 4ª Turma, decidiu que a lista é taxativa – ou seja, o que não estiver nela pode ser negado. Abriu exceção apenas para tratamento de câncer, medicamentos de uso hospitalar, terapias comprovadas cientificamente e autorizadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e medicamentos de uso off label (por conta e risco do médico). O julgamento está suspenso devido a um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi, que defende o uso da lista apenas como exemplo de tratamentos disponíveis aos pacientes. 

Com o mote “Nenhum direito a menos no rol de cobertura aos pacientes” e um ato simbólico no Congresso Nacional, as entidades afirmam que é impossível descrever todos os procedimentos médicos relativos a tratamento de saúde e que a lista da ANS não pode impedir o acesso aos pacientes a tratamentos mais modernos e necessários para garantir sua saúde.  

Desde 2019, vários pacientes tiveram tratamento negado por decisão da 4ª Turma, que foi favorável à empresa de saúde. Os procedimentos negados foram diversos – fisioterapia mais moderna, com elásticos, a uma criança com paralisia cerebral severa; procedimento de estimulação magnética transcraniana indicado a portador de esquizofrenia paranoide; cifoplastia para reparo de desgaste de coluna vertebral e ações reparadoras pós-cirurgia bariátrica, por exemplo.  

Fernandes lembra que, quando contrata um plano de saúde, o paciente não sabe que doença vai ter, muito menos qual o tipo de tratamento que será necessário para garantir sua saúde. Na maioria das vezes, passa mais de uma década pagando um plano de saúde, usando muito pouco, e não pode ter os recursos negados justamente quando necessita. Como exemplo, ele cita uma cirurgia de rim, que no passado era feita por meio de corte e hoje por meios muito menos invasivos, como laparoscopia e laser. 

— A forma como ele vai ser operado é pouco importante. O importante é que seja tratado. A mudança fere a autonomia do médico e do paciente — diz ele, acrescentando que atualmente, quando o tratamento é incomum, as dúvidas já são dirimidas caso a caso pela Justiça. 

Pandemia aumenta risco ao paciente

O promotor Arthur Pinto Filho, da Promotoria de Saúde do Ministério Público de São Paulo, afirma que este é o pior momento possível para estabelecer listas de tratamentos que devem ser pagos pelas empresas ou mudanças no entendimento da Justiça. 

— Temos enorme quantidade de sequelados neste pós-pandemia. Eles ficaram com danos nos rins, no pulmão e até coceiras. Os problemas ainda estão surgindo. Falar em rol taxativo agora é um perigo imenso. Não sabemos o que estas pessoas vão precisar daqui a dois anos e elas precisam ser atendidas pelos seus planos de saúde — diz o promotor. 

O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes, afirma que é impossível descrever todo o rol de tratamentos médicos disponíveis e suas especificidades. Para ele, a mudança abre brechas para que as empresas de saúde recusem tratamentos mais modernos – e mais caros -, mas que são mais benéficos aos pacientes e menos invasivos.  

Ele lembra que a própria pandemia de Covid-19 trouxe a necessidade de novos exames e tratamentos. E reclama que seguir uma lista do Conselho Federal de Medicina (CFM), como sugere o STJ, não é adequado, uma vez que a entidade está sendo processada por ter liberado, em abril de 2020, por meio de um parecer, o uso de cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a doença.  

A advogada Ana Carolina Navarrete, do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), afirma que a mudança prejudicará o consumidor. 

— Imagine o paciente saber que tem uma tecnologia melhor de tratamento e que não pode usar por ser negado pelo plano. O risco é que ele não tenha tratamento adequado — explica. 

Planos têm boa saúde financeira

A advogada do Idec diz que justificar uma mudança deste porte alegando saúde financeira dos planos é ir contra o que os números mostram. A última nota técnica da ANS mostrou que, mesmo com a pandemia, a sinistralidade foi menor – vários procedimentos que eram corriqueiros deixaram de ser feitos pelos beneficiários.  

Segundo ela, os planos já sabem muito bem como adequar seus preços – pois usam taxas de sinistralidade quando erram na conta e, quando ela é baixa, aplicam a inflação.  

As entidades lembram ainda que os valores cobrados pelos planos de saúde têm como base não contratos individuais, mas o coletivo de sua carteira de cliente, e são calculados com base em taxa de sinistralidade e de ocorrência de doenças. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, de 2014 a 2018, o lucro líquido dos planos de saúde mais que dobrou.  

Não bastasse a discussão na Justiça, a Câmara dos Deputados também quer mudar a lei que rege os planos de saúde. Instalada em julho passado, a Comissão Especial de Planos de Saúde analisa cerca de 250 projetos com o objetivo de alterar a lei que rege os planos de saúde. O assunto foi debatido entre 2017 e 2018 e o substitutivo apresentado na época não foi votado. Na época, uma série de críticas às propostas de mudanças fez com que o trabalho não prosperasse.  

Fonte: O Globo

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