RIO – Dificuldades para a realização de exames de Covid-19 representam 56,6% das queixas relacionadas à pandemia do novo coronavírus registradas na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de março a outubro deste ano.

Entre os motivos de reclamação estão negativas de cobertura, ausência de rede e casos que não se enquadrariam nas diretrizes de utilização. Segundo a ANS, nem todos os registros representam infrações das operadoras. A insatisfação, no entanto, é real.

O administrador de empresas Edgard Gomes entrou com o primeiro pedido de sorologia na Unimed-Rio, em 27 de agosto, após seu companheiro, que é enfermeiro, ter resultado positivo para Covid. O pedido, conta, está até hoje em análise. O RT-PCR, exame padrão ouro para o diagnóstico, só foi feito em 16 de setembro, após a terceira ida à emergência. E deu positivo.

— Na primeira vez que fui à emergência da Unimed em Copacabana, disseram que não era caso de exame, pois eu não sentia falta de ar. Em outra emergência, em 14 de setembro, o médico disse que não testava quem tinha sintomas “brandos”, mas me deu outro pedido para sorologia, que eu consegui marcar para 18 de setembro. Fui parar no hospital de novo no dia 16, quando finalmente fiz o PCR. Como a sorologia estava agendada, fui ao laboratório dia 18, mas ainda não estava autorizada — queixa-se Gomes.

Com tosse seca, dor de cabeça e dor no corpo, a também administradora de empresas Francelle Jacobsen recorreu a um teste rápido. Diante de um resultado positivo, foi ao médico, que pediu que fizesse um PCR para confirmar o diagnóstico. A autorização do exame demorou quatro dias para sair, e o resultado deu negativo. Temendo que ela tivesse perdido a janela do exame, que deve ser feito até o sétimo dia dos sintomas, o médico solicitou testes sorológicos (IGG, IGM e anticorpos totais).

— Quando tentei agendar, a Unimed-Rio disse que precisaria de novo pedido, pois só cobriria o IGG e que seria preciso um relatório médico, apesar de ter a prescrição — conta Francelle, que acabou desistindo do exame.

Perigo de transmissão

A médica Tânia Vergara, presidente da Sociedade de Infectologia do Rio (Sierj), diz que a demora na liberação do exame pelos planos de saúde aumenta o risco de falsos negativos:

— É preciso mais agilidade na liberação, para que possamos ter resultados mais confiáveis, melhores diagnósticos e monitoramento mais efetivo. A pessoa recebe um diagnóstico negativo do laboratório e, muitas vezes, não volta ao médico, que recomendaria a realização da sorologia, que é o exame mais indicado passado mais de uma semana.

A ANS explica que a análise em três dias úteis está prevista nas normas do órgão. Mas ressalta que, caso o pedido explicite que é urgência ou emergência, a autorização deve ser imediata.

— Todo pedido de teste de Covid é uma urgência, pois tem um prazo para que seja realizado e seja eficaz. Isso não faz sentido — afirma a presidente da Sierj.

Priscilla Martins, diretora executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), diz que a demora na autorização dos exames também preocupa o setor:

— Nossa questão é o aumento da transmissão. Com um resultado falso negativo, a pessoa pode não ter tantos cuidados e continuar transmitindo.

Após um PCR positivo, a vendedora Rosenilda da Silva foi orientada pelo médico a fazer um teste de sorologia antes da volta ao trabalho, mas acabou desistindo, diante da exigência de um relatório médico pela SulAmérica:

— Não tinha como voltar ao médico e já tinha feito a quarentena, desisti.

Tânia diz não entender o pedido de relatório médico pelos planos de saúde:

— Qual é a necessidade de um relatório se toda a indicação está na prescrição?

A ANS diz, no entanto, que o relatório pode ser pedido pelas empresas, exceto em caso de urgência/emergência.

— Diante do prazo para análise, muitos pacientes acabam pagando pelo exame para garantir a realização imediata — comenta a presidente da Sierj.

Pagar pelo exame foi a escolha da arquiteta Tina Portugal ao ser informada pelo laboratório sobre os três dias úteis para a autorização pela Amil:

— Meu marido começou com os sintomas. Para ter logo o diagnóstico, pagamos. A médica recomendou que eu e meu filho também fizéssemos o teste, e decidimos não esperar. Só tive essa exigência de tempo de análise antes para um exame de R$ 4 mil. Essa burocracia me parece uma cruel esperteza dos planos. Quem tem pressa no diagnóstico acaba pagando.

Poucos testes por plano

Para Ana Carolina Navarrete, coordenadora da área de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o acesso é dificultado e com o aval da ANS:

— Apenas 7% dos testes de diagnóstico de Covid foram feitos via planos de saúde, segundo dados da ONG Repórter Brasil. Número pequeno se levarmos em conta que 22% dos brasileiros são usuários da saúde suplementar — destaca.

Na avaliação da médica sanitarista Ligia Bahia, o setor não tomou para si a responsabilidade sanitária que lhe cabe:

— Com agilidade e monitoramento ativo, as operadoras poderiam estar colaborando de forma mais efetiva para o controle da pandemia.

Vera Valente, diretora executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), diz que o setor atua em conformidade com as determinações da ANS e das autoridades sanitárias.

— Desde o início da pandemia, a prática do setor tem sido monitorar os casos, orientar e direcionar os beneficiários, incluindo, em alguns casos, telemonitoramento 24 horas, além do acompanhamento dos leitos para evitar lotação das redes — afirma.

A Unimed-Rio diz seguir as diretrizes da ANS para a cobertura dos exames. E afirma que não há pendência de autorização ou histórico de pedido para teste da Covid-19 de Gomes e Francelle, apesar de as solicitações constarem no aplicativo do consumidor.

A SulAmérica confirma que o pedido de Rosenilda não continha as informações necessárias para autorização pelas diretrizes da ANS.

A Amil também afirma cumprir as normas da agência e acrescenta que pedidos médicos sem especificação de urgência ou emergência estão sujeitos ao prazo de análise. A operadora diz ter contatado Tina para esclarecimentos.

Conheça as regras

Fonte: O Globo

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