Modelo de lucro de hospitais e planos de saúde induz a tratamentos desnecessários, diz presidente do Einstein.

Hospitais, clínicas, indústria de equipamentos, indústria farmacêutica e operadoras de saúde têm um modelo de remuneração que faz todos ganharem com a doença. O resultado é que se fazem exames e tratamentos desnecessários, diz Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes.

Segundo ele, é preciso mudar o sistema de remuneração para modelos baseados em programas de qualidade, prevenção e segurança. O executivo afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS) está obsoleto e que o brasileiro não busca os serviços médicos de forma adequada. “Dispor de uma estrutura de alta complexidade para atender uma gripe é desperdiçar recursos”. Ele fala também que o futuro da saúde será cada vez mais a medicina personalizada. O senhor acredita que exista uma indústria da doença no país? Sidney Klajner – Quando falamos de doença, devemos dividir: uma indústria involuntária, que existe talvez pela falta de informação, de educação do próprio paciente. Mas existe aquela indústria que está pautada em interesses que não a saúde. A indústria da doença acontece porque, quanto mais doença, mais bem remunerado eu sou. Daí a necessidade que se discute no mundo todo na mudança do modelo de remuneração.

O paciente que vai ao pronto atendimento com dor nas costas e quer fazer a sua tomografia está errado. Isso não traz benefício nenhum, pelo contrário, vai trazer uma radiação a mais que daqui a alguns anos, com muitas tomografias, pode incorrer em uma doença oncológica [câncer].

Na grande maioria das vezes, essa pessoa necessita de um tratamento fisioterápico, de uma cadeira adequada no trabalho, de uma atividade física, de um incentivo ao emagrecimento para quem está obeso e sedentário. Como mudar esse modelo? A discussão está no mundo inteiro, já existe uma série de casos mostrando como é feito. Em uma visita à Holanda, tive oportunidade de ver um sistema de saúde que obriga cada cidadão a ter o seu seguro, a pagar o seu seguro mensal.

Um preço que não é controlado, mas é um preço que o governo coloca, e contrata uma seguradora para gerir. São contratados hospitais privados para fazer parte deste sistema. Mas existem várias outras formas de lidar com o modelo de remuneração. Por exemplo, o modelo baseado em valor. Quando uma paciente remove o útero, e não se cuidou adequadamente e tem uma infecção urinária em casa, ela volta para o hospital. Isso para o hospital é lucro, é remuneração. Quando se muda para um modelo baseado em valor, no qual o custo da cirurgia é congelado, a infecção urinária passa a ser despesa, porque o hospital vai arcar com esse custo, o que obriga todos os provedores de saúde a investir em programas de qualidade, para que não exista o desperdício, por exemplo, com uma infecção urinária.

Isso é medicina baseada em valor. Existem outras formas de remuneração, por exemplo, como acontece muito em Israel. O governo contrata uma operadora de saúde, que chamamos de organização médico-hospitalar, e com esse orçamento anual ela tem a obrigação de cuidar da saúde de “x” milhões de cidadãos. Cabe a ela, com esse orçamento, fazer prevenção, garantir que não vai existir um uso inadequado. Como o Einstein lida com esses vários interesses que envolvem os custos da saúde? Em primeiro lugar, conforme falamos, a saúde custa. Entendemos que grande parte desses custos ocorre de uma maneira muito além do que é esperado por diversos fatores. Existe desde a formação do médico, o desperdício de recursos, a indicação de um procedimento desnecessário, uma cirurgia ou exame complementar. Se colocamos tudo isso num bolo só, culmina em um aumento do custo para quem financia, no caso da saúde suplementar, para a operadora de saúde. Vai necessitar um reajuste no final de um período acordado que é muito além da inflação medida pelo IPCA. Chamamos isso de variação de custo médico-hospitalar. O Einstein tem combatido esse over use com a utilização da tripla meta: tentando medir qual a entrega de valor de cada procedimento, quem são os profissionais e como podemos ver o desperdício de recurso ou custo inadequado nesse procedimento e com isso oferecer a melhor prática com um custo menor. Essa é uma ponta.

A segunda ponta fala da prevenção da saúde populacional. Vamos supor que eu elegi a população de diabéticos que trabalham no Einstein. Vou fazer uma atividade preventiva para essa população. E a outra ponta é a redução do custo per capita. O senhor acredita que o SUS (Sistema Único de Saúde) tenha uma boa gestão? Sidney Klajner – Se eu falar que está bem gerido, teríamos uma saúde populacional melhor do que está. Sobram oportunidades e melhorias de gestão. Primeiro porque ele é obsoleto. Nós não temos no país hoje como obter a informação correta com relação à saúde porque os dados regionais da saúde do nosso cidadão não se comunicam de modo a serem compreendidos da melhor maneira.

Existe a necessidade de uma melhoria tecnológica, utilizando uma transformação digital, aspectos de big data que nos permitam entender onde os recursos devem ser investidos. Existe uma necessidade de oferecer uma educação adequada para o próprio paciente se engajar no cuidado com a sua saúde, por meio de campanhas.

Na gestão do SUS, existe o papel do município, do Estado e do governo federal. A organização é comparada com uma pirâmide. Ela deve prover atenção primária na grande base da nossa população, com centros de atenção secundária em número menor -os Estados teriam esse papel. E o governo federal fornece a atenção de alta complexidade, a terciária, como oncologia [tratamento de câncer], transplantes, situações de alta complexidade em doenças cardíacas, e isso não acontece.

Vemos uma proliferação de hospitais de alta complexidade dentro de municípios com 10 mil, 20 mil habitantes, o que contribui para não haver equipamentos que sejam utilizados de maneira correta, um fluxo de volume de escala que permita a formação, o treinamento e o resultado de um desfecho de saúde melhor.

O resultado é uma taxa de ocupação menor, leitos vazios. Apesar de o país precisar de um número maior de leitos, ainda contamos com hospitais fechando e leitos não ocupados.

Existem “expertises” no nosso país, do setor privado, por exemplo, com uma capacidade ociosa que poderiam de alguma maneira interagir com o sistema público para coibir esses “gaps” que há na gestão da saúde. O senhor defende então a parceria público-privada?

Sim. Eu dirijo uma organização, que hoje não é um hospital, mas um sistema de saúde, que tem em sua missão o propósito de entregar vidas mais saudáveis ao país. O Einstein foi fundado com uma missão filantrópica de retribuir à sociedade brasileira o acolhimento que a comunidade judaica teve no Brasil em época do pós-guerra. E essa missão é realizada por meio de parcerias que temos com o setor público. Hoje podemos falar que o Einstein de alguma forma trata ou influencia a saúde de 1,2 milhão de pessoas na nossa região, no município de São Paulo e também à distância, já que parte desse projeto capacita profissionais de outros estados. Hoje temos mais leitos de UTI espalhados pelo país, sob os cuidados dos especialistas virtuais do que propriamente físico. Essas UTIs têm diariamente a visita por telemedicina de um neurologista, um cardiologista do Einstein que vai interagir com o intensivista local para tomar a melhor conduta para cada caso. Isso já provou que reduz mortalidade. Temos casos no Piauí e em outros estados em que isso funciona. Hoje nas comunidades que envolvem o nosso hospital principal no Morumbi (zona sul de São Paulo), nós temos a Unidade de Paraisópolis (comunidade com mais de 40 mil habitantes), que é muito mais do que uma unidade médica. O Einstein cuida de orientação pré-natal, combate à exclusão social, possui cursos profissionalizantes para adolescentes e também tem, em parceria com a prefeitura, um ambulatório de especialidades pediátricas. Além disso, temos com a prefeitura mais 22 unidades entre AMA (Assistência Médica Ambulatorial) e UBS (Unidade Básica de Saúde) por meio de uma parceria como uma organização social, colocando médicos e fazendo a gestão dessas unidades básicas.

Em Paraisópolis, temos colhido frutos. Temos também o programa de saúde na família com a prefeitura que diminuiu para apenas 2,5% o número de mães que vão dar à luz sem ter um pré-natal adequado. O índice de vacinação das crianças naquela região é de 100%, algo que o governo persegue, mas ele é conseguido com visita domiciliar, com engajamento dessas famílias num programa que tem muito sucesso. E isso é um exemplo de parceria público-privada que vale a pena ser replicado. O senhor acha que o brasileiro busca serviços médicos de forma adequada? Eu acho que não. Um dos grandes ofensores do sistema de saúde é não ter o paciente correto na porta correta. Quando um paciente de baixa complexidade procura uma organização de altíssima complexidade, ele está desperdiçando recurso. Isso acontece nos prontos-socorros. Portanto, essa educação vai desde um entendimento do que significa cada condição. Ela vai da falta da interação com um profissional médico de família, que pode acalmar uma ansiedade e reavaliar uma febre depois de 24 horas, por exemplo, para ver se é algo a ser considerado ou é uma gripe de fato. Isso faz parte de cultura, e também cabe a nós, profissionais que atuam com saúde, prover ensinamento com informação adequada, sem privilegiar interesses que vão culminar com o “over use”. Os brasileiros reclamam muito dos planos de saúde. Qual a sua opinião? Primeiro, o sistema de saúde suplementar, como o próprio nome já diz, é suplementar, porque ele veio oferecer o que o sistema público não oferece. As operadoras de saúde têm uma forma de relação com o consumidor como a de uma seguradora. Isso significa um cálculo em que uma base maior de pessoas saudáveis divide o custo daqueles que estão doentes. Quando eu coloco as críticas no sistema de remuneração, obviamente esse sistema tem um risco enorme de não sobreviver. Quando se melhora a eficiência, diminui o custo e melhora a entrega em qualquer empresa. Quando falamos de mudança de modelo de remuneração, também estamos privilegiando a entrega do resultado e a saúde, e não o desperdício. E principalmente: nós temos a obrigação da formação do médico. A formação do médico até hoje foi pautada por um ensino técnico muito forte, técnico da prática de cada especialidade sem levar muito em consideração o sistema de saúde. Existe a possibilidade de os planos de saúde acabarem? Não vão acabar porque eles têm por trás alguém que precisa muito dessa relação, que são as companhias que dão a saúde como um benefício. A morte do plano não vai acontecer, as operadoras vão ter que participar dessa transformação, e algumas delas têm liderado essa transformação no sentido de só atuar em parceria com provedores por meio de um sistema que não seja remuneração do serviço, e sim do valor.


A tecnologia vai nos levar à eternidade?
Sidney Klajner – Não. Talvez a expectativa de vida melhore muito, por meio do entendimento da genômica [código genético] e na possibilidade de oferecer medicina personalizada.
Por exemplo: Se tomo uma estatina [remédio] para baixar o colesterol e, para o meu sequenciamento [genético] ela não funciona, então não vou usar.
Se eu souber que no meu sequenciamento existe uma alta propensão de desenvolver uma doença oncológica em algum órgão, provavelmente vou descobrir num estágio muito precoce e ser curado dela com menor dispêndio de recursos e com melhor resultado. Como a tecnologia tem ajudado no tratamento de doenças?
A recuperação de dados pelos prontuários eletrônicos, que chamamos de big data, vai revolucionar a medicina, principalmente porque vamos conseguir criar plataformas de inteligência artificial que vão permitir o reconhecimento de doenças ou dar suporte para o atendimento médico em atividades que a máquina pode fazer, deixando o médico, que é tão caro, poder atuar.
Um desses exemplos é a telemedicina. Sabemos hoje que de 70% a 80% das questões de pronto atendimento podem ser resolvidas por telemedicina.

Em um país com essas dimensões, temos a obrigatoriedade de ter essa tecnologia porque você consegue chegar a regiões onde o médico não está ou onde o enfermeiro pode fazer o papel intermediário dessa conversa.

Para isso, o investimento tecnológico precisa de uma banda larga que funcione, do acesso do smartphone com internet em todas as regiões do país. A transformação digital vai permitir, por meio de aplicativos, educarmos melhor o paciente para engajá-lo no cuidado com a sua saúde.

No hospital temos um exemplo muito bacana de inteligência artificial. Se um paciente chegar ao pronto atendimento com uma dor abdominal, ele passa em uma enfermeira que faz uma triagem de pulso, pressão, temperatura, oxigenação. Tudo isso vai alimentando o prontuário eletrônico.

Quando ele sai da triagem, vai se consultar, e o médico solicita o primeiro exame complementar para aquela queixa. O nosso setor de internação, com a inteligência artificial e uma assertividade de mais de 90%, já sabe se esse paciente vai se internar ou não.

Aí já se reserva um leito para ele. Isso diminui o tempo de espera no pronto-socorro em uma hora e 20 minutos.

Quem não tem dinheiro para pagar pode ter uma saúde de primeira linha? Como? Sidney Klajner – Em primeiro lugar, é preciso entender que saúde tem um custo. Independente de se nós praticamos da maneira correta, se nós promovemos saúde, se nós oferecemos a infraestrutura para uma boa saúde, isso tem custo.

Quando falamos que o usuário final não tem dinheiro, alguém precisa financiar a entrega da sua saúde. Pode ser o poder público, o governo, pode ser uma operadora de saúde, o sistema de saúde suplementar, pode ser o seu empregador.

O fato é que a saúde tendo um custo, o sistema de saúde público tem um orçamento, que hoje está em torno de R$ 120, R$ 130 bilhões. Com o teto de investimento, a saúde do nosso país está subfinanciada pelo governo.

A metade do orçamento é para a saúde suplementar, que cuida de 25% da população, e a outra metade, que é do sistema público, vai ter a obrigação de cuidar de 75%. A crise que estamos vivendo fez com que mais de 3 milhões de pessoas abandonassem o sistema de saúde suplementar e passassem a utilizar única e exclusivamente o SUS. Não há como ter saúde sem dinheiro, mas com uma organização, uma gestão de saúde, de recursos, investindo-se em prevenção, em promoção, evitando-se fraudes, desperdícios e procedimentos mal indicados, tendo formação correta do profissional de saúde, conseguimos fazer uma utilização melhor desse recurso.

Como a crise econômica impactou o setor de saúde?

Impactou todas as organizações de saúde, todos os sistemas. O Einstein tem sua maior atuação na saúde suplementar, mas houve a saída de 3 milhões de usuários da saúde suplementar. Quem tinha acesso premium passou a utilizar um intermediário, o intermediário passou para um menor. Com isso, vimos nesses anos uma diminuição do número de pacientes que nos acessam. O setor de saúde como um todo sofreu. E as reformas trabalhista, política e da Previdência? É a opinião como brasileiro. É obrigatório. O benefício da saúde pública e o da Previdência andam juntos. Com o jeito que a nossa Previdência foi montada, a conta não vai fechar, o buraco vai ser cada vez maior e pior.

Quando vemos o aumento da expectativa de vida, da longevidade, pessoas com 60, 65 anos são jovens. Não podemos ter um sistema que oferece aposentadoria para quem está tão produtivo. Uma das principais pressões que o sistema de saúde sofre hoje é com o envelhecimento.

Em 30 anos, a estimativa é que a nossa população de idosos, comparada aos não idosos, vai passar de 4 jovens para 1 (idoso) hoje, para 2 para 1. Já foi de 7 para 1. Então, se a gente não cuidar para que a pessoa acima dos 65 anos continue produtiva, o gasto com isso será brutal.

Como uma pessoa ligada à saúde, quando falamos da reforma trabalhista, ela vai permitir que as relações entre um provedor de saúde e os colaboradores de saúde sejam feitas de forma mais transparente, porque hoje estamos muito amarrados naquilo que foi acordado com sindicatos.

Fonte: Uol Economia

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