RIO – Os sintomas não eram graves. Tosse, cansaço na volta da escola e, às vezes, febre fizeram parte do cotidiano de Yago de Lima, na época com 17 anos, até passar por uma série de hospitais para tentar resolver o problema. Os raios-x não apontavam nada e os médicos não conseguiam saber o que o garoto tinha. A família saiu de Saquarema, cidade onde mora, e foi até um médico em Niterói. O profissional sentiu um caroço no pescoço de Yago e avisou a sua mãe que “era muito sério” e eles deveriam procurar um hospital público, pois o tratamento seria caro. Biópsia feita, o resultado mostrou que era câncer. Um linfoma de Hodgken em último estágio.

A mãe escondeu o diagnóstico até levar o filho ao Instituto Nacional de Câncer (Inca). Lá, pela placa escrita “tratamento de câncer”, Yago descobriu que estava com a doença.

— O médico falou sobre a quimioterapia, disse que meu cabelo cairia. Mas me deu esperança, pois ele disse que o meu câncer era fácil de ser tratado e curado. Essa pequena frase foi a única coisa boa da consulta e eu me agarrei nisso. Mal sabia que seria muito mais difícil.

O tempo de tratamento era de seis meses e o jovem resolveu raspar a cabeça antes de ver o cabelo cair. Quando acabou o tempo, a família fez uma festa, pois Yago não teve reações. Porém, ao fazer um exame, descobriu que o câncer não estava curado. A quimioterapia não funcionou e seria necessário outro método: um transplante de células-tronco. O procedimento consiste em produzir células saudáveis a partir das que já existem em seu corpo e introduzi-las no corpo do paciente. Para que essas células também não fossem incorporadas pelos tumores, o jovem teria que fazer uma bateria de sessões de quimioterapia, chegando a três dias seguidos com cinco horas diárias.

— Foi nessa vez que meu cabelo caiu, minha sobrancelha caiu — lembra Yago.

Os momentos antes do transplante foram os piores, segundo ele. Foram sete dias de quimioterapia em 24 horas diárias com enjoo, vômito e diarreia.

— Quando meu sangue estava todo zerado, não tinha plaqueta, não tinha nada, é que recebi minhas próprias células-tronco. Fui melhorando, fui melhorando… Com três meses, deu remissão. A doença sumiu. Fiquei feliz.

Três meses depois, os sintomas iniciais voltaram. Com febre e tosse, Yoga voltou para o Inca e recebeu a notícia de que o câncer reincindira. E mais agressivo.

— Ele já tinha se espalhado pelo corpo inteiro. Aí uns dez médicos se juntaram. Foi um dos piores dias da minha vida. O médico disse que o “Inca já fez todos os tratamentos possíveis por você. Nós não temos mais nenhum tratamento para você”. Continuei fazendo quimioterapia paliativa para amenizar minha dor — conta o jovem.

Uma médica do hospital indicou outro profissional, o doutor Daniel Tabak, um dos maiores especialistas em oncologia no Brasil.

— Ele ofereceu algo que não estava no catálogo dos serviços públicos, totalmente inovador. O primeiro remédio foi o Brentuxmab, que não existia no país. Aí eu fiz uma dose. Minha família se reuniu para pagar porque era R$ 30 mil. Muito caro. R$ 30 mil, uma dose e tinha que tomar todo mês. Uma semana depois, comecei a sentir falta de ar. Foi no dia do jogo do Vasco, e eu disse “mãe, só vou para o hospital depois do jogo”. Era final. A gente veio para o Inca quase dez horas da noite. Nesses três anos de tratamento, eu nunca sofri. O sofrimento maior foi o transplante, mas era algo programado. Quando eu cheguei aqui, dessa vez, eu não tinha ideia do que ia acontecer comigo. Os médicos falavam para minha mãe vigiar minha respiração pois eu podia ter uma parada cardíaca enquanto dormia — recorda.

Yago teve uma reação ao remédio. Por ter uma massa de metástase no peito, a introdução do medicamento foi como jogar “água no formigueiro”, como ele diz. O câncer reagiu para não ser destruído e acabou causando mazelas para o jovem. Os médicos entubaram Yago, colocaram-no no CTI e induziram o coma. A cada dia, sua mãe ouvia dos médicos que o quadro se agravara. No final de uma semana, tiveram que acordá-lo pois havia risco de infecção. A mãe ficava com ele no CTI para que ele tivesse um conforto em seus possíveis minutos finais.

— Eu não respirava por mim, não podia falar, não podia beber, não podia comer. Durante os 18 dias em que fiquei ali acordado, eu desejei, por 18 dias, ter morrido. Foi um pesadelo. Depois dos primeiros dez dias, o médico disse que eu tive uma pequena melhora. Aí no dia seguinte, ele veio e falou “olha, você teve uma pequena melhora novamente”. A cada dia que passava, eu melhorava um pouco e ia melhorando, melhorando…

Mas a saúde estava frágil e se eu fizesse qualquer novo tratamento, morreria. Yago perguntou quantos meses ainda tinha de vida e a resposta foi de “três a seis meses”.

— Meu mundo desabou ali. Fui para casa, meus amigos estavam lá em festa por eu estar voltando. Eu me tranquei no quarto, fiquei depressivo. Foi nesse tempo no CTI que aprendi sobre a vida. Os médicos só vinham para me diagnosticar. Mas os enfermeiros cuidavam de mim. Com aqueles enfermeiros cuidando de mim, percebi o cuidado e o amor. Eu falei que um dia faria a mesma coisa que eles. Saí do CTI e falei “quero cursar enfermagem”. Minha mãe pensou que era uma doideira, o médico me deu seis meses e eu falando de cursar algo de dois anos. Foi um ato de fé meu.

Nesse tempo, Yago conheceu uma menina e passou a namorar com ela. Tendo uma nova vida, mas com o prazo pairando em sua cabeça, resolveu voltar ao oncologista Daniel Tabak para buscar uma segunda opção. O médico pediu um exame, o PetScan, para ver em que estado estava. O resultado não era compatível com Yago. O câncer tinha tomado todo o seu corpo e ele estava em pé, sorrindo.

— O doutor Daniel ficou sem saída. Aí ele ouviu falar de um tratamento experimental nos Estados Unidos. Era uma nova droga, o Nivolumab. Ele disse que não estava disponível no Brasil e nem sabia como conseguir. Mas ela existe. Fomos à Justiça para conseguir a medicação, mas eu não podia esperar.

A família, mais uma vez, juntou-se e comprou quatro doses. Cada uma custando R$ 25 mil. O medicamento que deveria ser tomado a cada 15 dias, por falta de dinheiro, passou a ser ingerido de mês em mês. O princípio do remédio era diferente, ao invés de ser uma força de ataque as células cancerígenas, ele fortalecia o sistema imunológico para fazer defesa do corpo de Yago.

Seis meses depois, em outro exame, Yago estava limpo. Não existia mais nenhum linfoma. Este exame foi feito em 2016. O processo que o jovem moveu na Justiça para conquistar o medicamento foi aprovado em dezembro de 2018. Com isso, Yago fez um novo exame, que mostrou pequenos linfomas em seu corpo, nada comparado a como estava antes da medicação.

— Meu pulmão segue limpo. Mas por causa desses pequenos linfomas, vou continuar o tratamento, agora sem custos.

Com a vida nova, Yago terminou o curso de enfermagem e pretende auxiliar outros pacientes como ele foi auxiliado. Inclusive, o enfermeiro que cuidou dele esteve em seu casamento, realizado logo depois da sua melhora.

Fonte: O Globo

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