Há casos de oferta de crédito a analfabetos. Secretaria do Consumidor instaurou processo contra dez instituições
O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) instaurou processos administrativos contra instituições financeiras por práticas abusivas contra idosos . Segundo o órgão, os bancos haviam se aproveitado da “hipervulnerabilidade” dessas pessoas e utilizado dados pessoais dos clientes de forma indevida para oferecer empréstimos consignados por telefone.
Há, inclusive, casos de empréstimos contratados por pessoas analfabetas com suspeita de terem sido feitos de forma ilegal pelas instituições. Segundo o DPDC, a contratação de crédito por idoso analfabeto deve ser feita com auxílio de procurador. As empresas poderão ser multadas em até R$ 9,7 milhões cada caso os indícios sejam confirmados.
É a primeira vez que o DPDC trata de questões ligadas a idosos e beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em junho, Senacon e INSS firmaram Acordo de Cooperação Técnica (ACT) , que prevê ainda realização de campanhas educativas e de incentivo para que os aposentados denunciem as instituições que desrespeitem a norma pelo portal de intermediação de conflito Consumidor.gov.br .
Alerta para endividamento
As instituições que serão investigadas são Banco Safra, BMG, Caixa Econômica Federal, Olé Bonsucesso Consignado, Banco Itaú Consignado, Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), Banco Pan, Cetelem, Bradesco Financiamentos e Bradesco.
“O DPDC vai investigar se foram cometidos abusos por parte das instituições financeiras no ato de realização de ofertas realizadas por telefone. Será investigado como os dados dos idosos foram empregados pelas referidas instituições, bem como sobre a forma como se deu a abordagem dos consumidores inativos para tais contratações”, informou o órgão em nota.
O departamento também disse que há casos de oferta consignado por telefone aidosos analfabetos, alertando para que “direitos de tal categoria de consumidores estariam sendo violados”.
O departamento destaca ainda que a oferta e concessão irregular de empréstimo consignado a aposentados é um fator que potencializa o superendividamento dos idosos no Brasil. De acordo com a entidade, as abordagens por telefone aumentam a dificuldade de o consumidor entender o que está sendo oferecido.
Em maio, o INSS enviou ofício ao DPDC informando o número de reclamações recebidas pelo instituto relacionadas às operações de empréstimo consignado, cartão consignado e margem consignável das instituiçõesfinanceiras. Em 2017, foram 63.404 reclamações. Em 2018, foram 75.529, e nos dois primeiros meses de 2019, já foram registradas 10.867 manifestações de aposentados e pensionistas relacionadas a este assunto.
Entre as reclamações estão empréstimo liquidado sem exclusão no sistema, cobranças e créditos diferentes do pactuado em contrato, e extorsão na compra do produto.
Ligações são constantes
O aposentado Rene Andrade, de 76 anos, conta que recebe telefonemas constantes dos bancos oferecendo empréstimos consignados. Atualmente, ele paga parcelas de um empréstimo que contratou há pouco mais de dois anos. As instituições oferecem tanto créditos para que ele quite o que deve, quanto novos empréstimos.
— Ainda pago um consignado. O banco toda hora liga oferecendo um novo empréstimo para que eu pague a dívida e ainda fique com algum dinheiro — relata Andrade.
Além da oferta de “compra de dívida”, ele é telefonado por outros bancos que querem oferecer novos empréstimos.
— Não só o meu banco que liga. Recebo ligações de bancos que eu nunca tive conta, sempre oferecendo consignado. Eles querem que eu transforme toda minha aposentadoria em empréstimo — reclama o aposentado.
Limite de 30% não é obedecido
Coordenador do MBA em Finanças do Ibmec RJ, Felipe Pires afirma que existe uma lei que limita o percentual dos proventos comprometido com empréstimo consignado em 30%. No entanto, muitas instituições não respeitam essa determinação.
— Hoje em dia é frequente que bancos concedam novos consignados mesmo após esse limite. O consignado é uma das soluções de financiamento mais baratas do mercado, justamente porque fica vinculada aos proventos. Isso reduz o risco para o banco, logo a taxa de juros é mais barata. Mas o hiperendividamento torna a vida do idoso muito complicada, até porque na maior parte das vezes ele não tem outra fonte de renda — explica o economista.
Outro problema, segundo Pires, é que em um cenário de desemprego e mais de 40% da população economicamente ativa negativada, muitos filhos recorrem aos pais para fazer empréstimos consignados em nome dos idosos.
Para evitar entrar em uma situação de endividamento difícil de sair, o professor aconselha que o idoso não comprometa mais de 15% da renda mensal com empréstimos.
— É fundamental se planejar antes de tomar empréstimo, e depois de ter feito, sempre acompanhar. Também é importante verificar se não há em outros bancos taxas mais baratas, não apenas de juros, mas o custo efetivo total, e fazer portabilidade para outra instituição, se for o caso — aconselha Pires, lembrando que a duração das parcelas também influencia no custo final da dívida.
Bancos dizem respeitar cliente
Após a instauração do processo, as empresas serão intimadas para se manifestarem em sede de Defesa Administrativa. Em seguida, será aberto o prazo para a apresentação de defesa.
Procurado, o Itaú Unibanco afirmou que “suas práticas de venda observam sempre as necessidades dos clientes em primeiro lugar” e que prestará os devidos esclarecimentos.
O Bradesco, por sua vez, alegou que “tem absoluto respeito pelo cliente” e que “não pratica ou incentiva atos ilícitos ou abusivos em prejuízo ao consumidor”.
Já o Banco PAN informou que “investe constantemente na melhoria e na modernização de produtos, processos internos e na qualidade do atendimento ao cliente, sempre de forma transparente e em acordo com a legislação”. Além disso, afirmou que ainda não foi citado e que está à disposição para esclarecer todos os fatos.
O BMG afirmou que “atua em conformidade com as normas e as boas práticas de mercado e jamais compactuaria com ações que se caracterizam em desobediência deste princípio e das leis”. A instituição financeira acrescentou ainda que “renova seu compromisso de respeito aos seus clientes”.
As demais instituições foram procuradas, mas ainda não se manifestaram.
Fonte: O Globo