Arnoldo Wald: decisões da Justiça em geral analisam se há os requisitos previstos na Lei de Arbitragem
A Justiça tem cancelado reiteradamente as cláusulas que impõem a arbitragem como via de solução de conflitos em contratos de adesão, ao envolver relações de consumo. Em um caso analisado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), os ministros anularam essa cláusula em contrato de compra e venda de imóvel, firmado entre uma empreendedora comercial e um comprador.
Os ministros da 3ª Turma anularam a validade da cláusula por entender que não se pode impor a arbitragem de maneira compulsória nesses contratos. Admitiram, porém, que seria possível considerar o dispositivo válido se houvesse plena ciência e vontade do consumidor em utilizar o método. Apesar de pouquíssimas, há decisões em que a possibilidade foi admitida pelos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e do Paraná (TJ-PR).
No caso recentemente analisado pela 3ª Turma do STJ, os ministros entenderam que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) impede de modo geral a adoção prévia e compulsória da arbitragem em contratos de adesão, mesmo de compra e venda de imóvel. A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o STJ já decidiu ser nula a convenção de arbitragem, inserida em contrato de adesão, em julgamentos anteriores.
A ministra afirmou, no entanto, que a solução de conflitos de consumo pode ocorrer por meio de arbitragem. “O Código de Defesa do Consumidor veda apenas a utilização compulsória da arbitragem, o que não obsta o consumidor de eleger o procedimento arbitral como via adequada para resolver eventuais conflitos surgidos frente ao fornecedor”, ressaltou a relatora.
Por isso, a ministra julgou que não há conflito entre o Código do Consumidor – que veda a adoção compulsória da arbitragem nesses contratos – e o artigo 4º, parágrafo 2º da Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307, de 1996. O dispositivo diz que nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o cliente “tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”. Assim, os ministros entenderam que não há divergência entre as normas.
Para Selma Lemes, advogada especialista no tema e uma das coautoras da Lei de Arbitragem, a tendência do Judiciário tem sido considerar sem efeitos essas cláusulas compromissórias que não observam os requisitos previstos na lei. “Já há uma jurisprudência reiterada nesse sentido, o que está correto para que se coiba abusos nessas relações de consumo”. Segundo Selma, o consumidor é considerado hipossuficiente nessa relação e deve ser protegido pelo Judiciário, uma vez que pode ter sido induzido a aceitar a arbitragem, sem conhecer o mecanismo. “As exceções existem quando se fica comprovado que o consumidor conhece o uso da arbitragem e tem discernimento e vontade para optar por isso”.
Entre as exceções que admitiram a validade da cláusula arbitral, há uma decisão da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Os desembargadores analisaram o contrato de compra e venda de um loft na Barra da Tijuca. O comprador, ao negociar, queria que o empreendimento deixasse de ser um loft e tivesse paredes com divisórias entre os cômodos. Porém, ao ter o imóvel entregue, alegou que as metragens não condiziam com o que ele teria contratado e entrou na Justiça para anular o contrato e pedir os valores pagos de volta. O contrato previa o uso da arbitragem e, apesar de não estar em documento separado, o consumidor assinou a cláusula, como determina a lei.
Os magistrados consideraram que o comprador tinha alto grau de instrução, por ser analista judiciário, vaga para a qual é exigida formação universitária, e entenderam que ele seria conhecedor dos seus direitos, “não podendo alegar ignorância”, registra o acórdão. A ação foi extinta. O caso ainda chegou a subir para o STJ, mas as partes fecharam um acordo.
A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça paranaense também foi unânime ao manter a validade da cláusula, que tinha sido colocada em destaque e em negrito em um contrato de compra e venda de um terreno em São José dos Pinhais, no Paraná. A previsão, segundo o processo, ainda foi subscrita de forma específica e separadamente pelas partes contratantes. Assim, os desembargadores entenderam que a cláusula não tinha sido incluída de forma compulsória por uma das partes, “mas firmada de comum acordo entre ambas”.
O advogado e professor Arnoldo Wald, do escritório que leva o seu nome, afirma que as decisões em geral analisam se há os requisitos previstos na Lei de Arbitragem. “A arbitragem nesses casos pode ser admitida desde que ambas partes concordem expressamente”. Wald lembra que no início da lei havia uma empresa estrangeira que vendia eletrodomésticos no Brasil e que instituia no contrato de adesão de compra o uso de arbitragem em Nova Iorque, nos Estados Unidos. “O que era impensável e foi rejeitado pela Justiça”.