Com a previsão inicial de ser apresentado no último mês de agosto, o relatório final do deputado Hiran Gonçalves (PP-RR) no Projeto de Lei 1998/2020, que trata da prática da Telemedicina após a pandemia, vem sofrendo sucessivos atrasos em função de dois pontos principais de divergência. Conforme o JOTA apurou, um deles é sobre se o Conselho Federal de Medicina (CFM) deverá ou não regulamentar a lei e o outro é sobre se a primeira consulta entre paciente e médico terá de ser presencial ou não.
Os dois pontos estão mobilizando e dividindo tanto os parlamentares que participam da frente da Saúde e da Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) — onde tramita o projeto — quanto entidades médicas. O relator do projeto e o próprio presidente da CSSF, deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), defendem que o CFM tenha poder para regulamentar a lei. A proposta de texto final do PL, em um dos artigos, seria que o Conselho de Medicina “deverá” normatizar a legislação. Com isso, a entidade, que já pode editar resoluções e atos normativos com caráter infralegal, passaria a ter maior poder.
No entanto, essa competência que seria conferida ao CFM é questionada por um outro grupo de parlamentares, encabeçado pela deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que é a autora do projeto de lei. Ventura vem defendendo que a palavra “deverá” seja trocada pelo termo “poderá”. Com isso, o texto não vincularia a regulação diretamente ao CFM.
Nos últimos meses, a Telemedicina e todas as questões vinculadas ao tema foram exaustivamente debatidas na Câmara dos Deputados, tanto na CSSF, quanto em audiências públicas. Na lei atual, editada para a prática da Telemedicina apenas durante o período da pandemia, foi dado ao CFM a competência para regulamentar o tema depois do período de calamidade pública — o presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar este trecho, mas o Congresso derrubou.
Donizetti Giamberardino, vice-presidente do CFM e coordenador da Comissão Especial que estuda a revisão da Telemedicina, defende que a competência da entidade para regulamentar a Telemedicina está prevista na lei que criou o conselho:
“A lei que criou o conselho de classe médica [Lei 3268/1957] fala que compete aos conselhos de medicina a fiscalização, normatização e o julgamento do exercício da medicina no Brasil. Então, essa lei nos dá competência, e por isso temos tantas resoluções e pareceres. Mas até a pandemia, ninguém discutia se podíamos regular a Telemedicina ou não. Nós já vínhamos regulando desde 2002”, afirmou Giamberardino ao JOTA.
O vice-presidente do Conselho disse ainda que a intenção da entidade não é de ir contra uma lei em vigor e que o órgão vem trabalhando em cima da lei atual e discutindo a implementação e formação da classe médica para atuar na área:
“Se essa lei transitória [da pandemia] sumir, se vier uma substituição, nós dependemos das normas dessa nova lei. Mas sempre podemos complementar com nossas resoluções”, concluiu.
Ao JOTA, o deputado Hiran Gonçalves, afirmou que a divergência entre as palavras “deverá” e “poderá” é mera formalidade e que todas as outras questões do texto já estariam equacionadas e resolvidas. No entanto, para a deputada Adriana Ventura, embora os parlamentares estejam envolvidos em um “bem comum”, o de facilitar o acesso da população ao atendimento médico, nem todos os temas estão em consenso e a decisão sobre qual palavra usar no texto não se trata de mera formalidade.
Primeira consulta
Embora o relator venha afirmando que todos os demais pontos do projeto já estão solucionados, outras fontes ouvidas pelo JOTA sinalizam que ainda há algumas questões a serem superadas. A principal delas, que vem causando forte divergência entre os parlamentares e as entidades médicas, é se a primeira consulta entre o médico e o paciente deve ser presencial ou virtual.
Tanto o presidente da CSSF, quanto o relator do projeto, com o apoio do CFM, defendem que a primeira consulta seja necessariamente realizada via presencial. Por outro lado, a autora do projeto defende que os médicos tenham autonomia para decidir com os pacientes qual a melhor forma de realizar esse primeiro atendimento. Para o CFM, trata-se de uma “questão de segurança”:
“Defendemos a autonomia, mas com responsabilidade. Se delegar autonomia para tudo que possa acontecer, isso pode ser perigoso para a população, não é uma questão corporativa. Hoje os médicos têm registros estaduais, e no caso da Telemedicina se discute um cadastro nacional, para que você possa ser fiscalizado”, declarou Donizetti Giamberardino.
Mas, para a deputada Adriana Ventura, autora do projeto de lei, a exigência de que a primeira consulta seja presencial dificulta o acesso da população:
“A gente já é lanterninha do mundo em relação a outros sistemas, que já fazem o uso da Telemedicina. Proibir teleconsulta é um retrocesso. Temos que adequar e ver como resolve isso”, concluiu a deputada.
O JOTA apurou que uma versão preliminar do relatório deve ser apresentada na comissão em breve, mas ainda sem data definida. Porém, além das divergências entre parlamentares, outras entidades médicas como a Associação Paulista de Medicina (APM) e a Associação Médica Brasileira (AMB) também vêm pressionando e criticando nos bastidores a maneira como a discussão está sendo conduzida; e parte da classe médica ainda discorda das posições do próprio CFM.
KARLA GAMBA – Repórter em Brasília. Cobre STJ, com foco especial na área de Saúde. Antes, passou pelas redações do Jornal O Globo e revista Época, cobrindo Palácio do Planalto nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, e pela redação do Correio Braziliense, onde cobriu Cultura. Email: karla.gamba@jota.info
Fonte: Jota