União, Estados e municípios têm respondido a uma avalanche de ações para o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos não listados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que tem afetado os cofres públicos. Só para o governo federal, o impacto de uma derrota em todos os processos seria de R$ 3,93 bilhões – o equivalente a 4% do orçamento deste ano do Ministério da Saúde (cerca de R$ 106 bilhões). O valor está no anexo “Riscos Fiscais” da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – Lei nº 12.919, de dezembro de 2013.

As derrotas dos entes públicos são constantes e a jurisprudência já reconheceu a responsabilidade solidária entre eles e até a possibilidade de bloqueio de valores para o fornecimento de medicamento ou tratamento médico. No Rio de Janeiro, só em 2013, a Secretaria Estadual de Saúde gastou R$ 31,8 milhões para o cumprimento de decisões judiciais sobre remédios. Entram, em média, cerca de 40 ações sobre saúde por dia no Estado – 20 delas referentes a medicamentos.

Em todo o país, de acordo com a Advocacia-Geral da União (AGU), foram proferidas no ano passado aproximadamente 18 mil decisões – incluindo tratamentos de saúde – que têm como parte o governo federal. Em 40% dos processos judiciais, a busca é por medicamentos de última geração, muitos dos quais ainda não registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“A maioria das decisões é desfavorável à União. Há entendimentos a nosso favor quando conseguimos comprovar que a alternativa do SUS é tão eficiente quanto o medicamento que está sendo solicitado ou quando não há registro na Anvisa”, diz o coordenador-geral de Direito Econômico, Social e Infraestrutura da Procuradoria-Geral da União (órgão da AGU), Lourenço Paiva Gabina. “A questão tem que ser definida pelo Supremo Tribunal Federal [STF].”

Os ministros do Supremo reconheceram a repercussão geral do tema por meio de dois recursos. No primeiro, na pauta desde 2007, vão discutir se o Estado é obrigado a fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo. O relator é o ministro Marco Aurélio. No caso, de acordo com sua manifestação, a questão é saber se a liberação desses remédios pode, por seu custo, “colocar em risco” o atendimento de toda a população, que dependem de algum medicamento, de uso costumeiro.

Vários municípios pediram para ingressar no processo como interessados, mas as solicitações foram negadas pelo ministro Marco Aurélio. Para ele, não seria possível ouvi-los, levando-se em consideração que há 5,5 mil municípios no Brasil. A cidade de Tubarão foi uma delas. Alegou no pedido, protocolado em 2012, que o gasto no ano anterior com a farmácia básica para o atendimento da população foi de R$ 971 mil, enquanto a despesa com o cumprimento de decisões judiciais chegou a R$ 975,1 mil.

O processo a ser analisado pelos ministros foi ajuizado por um paciente com hipertensão pulmonar contra o Rio Grande do Norte. Ao todo, 21 Estados, além da União, estão listados como interessados no recurso em repercussão geral. Em 2009, os ministros chegaram a realizar uma audiência sobre saúde pública, mas o processo ainda não foi levado a julgamento.

Dois anos depois, em 2011, os ministros reconheceram a repercussão geral em outro recurso sobre o tema. Vão discutir se devem ser fornecidos a pacientes medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O relator também é o ministro Marco Aurélio. No caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) entendeu que, apesar de o direito à saúde encontrar previsão nos artigos 6º e 196 da Constituição, não se pode obrigar o Estado a fornecer remédio sem registro na Anvisa, “sob pena de vir a praticar autêntico descaminho”.

Enquanto o STF não julga as questões, União, Estados e municípios são obrigados a responder a ações que buscam, em muitos casos, medicamentos de marca – do básico ao de alta complexidade. “Há um preconceito contra o genérico”, diz o coordenador judicial de saúde pública da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de São Paulo, Luiz Duarte de Oliveira. “Gasta-se muito dinheiro com poucos.”

Em 2013, de acordo com o coordenador, ingressaram contra o Estado 25,7 mil ações para a obtenção de medicamentos e tratamentos de saúde. No ano anterior, 23,2 mil. “O Estado de São Paulo é penalizado porque conseguiu se aparelhar para uma resposta rápida”, afirma Oliveira. “Há pessoas que nem olham a lista do SUS. Vão direto no advogado. O que buscamos é a reinserção dessas pessoas no sistema.”

“Preferem a porta do fórum e não a do SUS”, diz a procuradora-geral do município de Tubarão, Patrícia Uliano Effting. “É mais fácil. É só assinar uma procuração”. De acordo com ela, Tubarão é derrotado em quase todas as ações. “Já concederam tutela antecipada [espécie de liminar] até para Viagra e Corega [fixador de prótese dentária].”

A agilidade na entrega do medicamento é determinante para a escolha de quem acionar na Justiça, de acordo com o advogado Julius Cesar Conforti, do escritório Araújo e Conforti Advogados Associados, que defende pacientes. “Se você entra contra os três [União, Estado e município] fica aquele jogo de empurra”, afirma. “Se o processo de registro de novos medicamentos e a incorporação de novas tecnologias fossem mais rápidos, muitas das ações judiciais hoje em andamento não precisariam existir. O Estado acaba gastando mais por culpa de sua própria ineficiência e morosidade.”

Apesar da jurisprudência favorável, continua a demora para o cumprimento das decisões judiciais, segundo a advogada Renata Vilhena Silva, do escritório que leva o seu nome. “Demora, no mínimo, dois meses para a entrega de um medicamento de alta complexidade no Estado de São Paulo”, diz. “É um tempo longo para uma pessoa com uma doença grave. Preferimos, quando é possível, acionar o plano de saúde, que age mais rapidamente.”

 

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