O desembargador federal Márcio Moraes, que compõe a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), negou pedido da União e manteve decisão que, em sede de agravo de instrumento, havia concedido a tutela antecipada e determinado que, em 15 dias, a União procedesse à transferência e internação de uma criança portadora da Síndrome de Berdon no Jackson Memorial Hospital, em Miami, nos Estados Unidos, onde será submetida a um transplante de vísceras.
Contra a decisão que havia determinado o tratamento da bebê nos EUA, proferida no último dia 27/5, a União ingressou com um agravo regimental, recurso que o relator entendeu ser incabível. “É incabível agravo regimental de decisão antecipatória de tutela em agravo de instrumento, conforme expressa previsão do art. 527, parágrafo único do CPC, com as alterações trazidas pela Lei n. 11.187/2005”, disse o magistrado.
Contudo, o desembargador federal recebeu o recurso como um pedido de reconsideração da decisão que determinou a transferência da criança, analisando os argumentos da União.
“Mantenho integralmente e com os mesmos fundamentos a decisão de fls. 714/720, que concedeu integralmente a antecipação de tutela pretendida neste agravo de instrumento, posto que o mencionado pedido de reconsideração não trouxe qualquer argumento ou elemento apto a infirmá-la”, decidiu Márcio Moraes.
“Vale asseverar que este Juízo de segundo grau já cumpriu sua jurisdição neste feio, decidindo em sede liminar o pleito da agravante, remanescendo apenas a questão do cumprimento da ordem pela agravada – que, até agora, diga-se, não demonstrou a adoção de qualquer providencia administrativa apta a implementá-la – e o próprio julgamento colegiado deste agravo de instrumento na Turma, cujo pedido de dia será providenciado de imediato”, complementou o relator.
Também disse o desembargador federal: “Tudo o mais que as partes pretendam fora daqueles temas desborda do limitado objetivo deste recurso, adstrito que está à pretensão de concessão da tutela antecipada, que já foi deferida e aguarda apenas cumprimento, e pertencem ao conhecimento do juiz de primeiro grau, ao qual cabem o processamento, inclusive com fase probatória, se for o caso, e julgamento da ação principal”.
No pedido de reconsideração, a União sugeriu uma medida alternativa, que consistia na transferência da criança a um hospital, possivelmente o Sírio-Libanês, para realização de exames que seriam solicitados pelo Dr. Rodrigo Vianna, chefe do setor de transplantes do hospital Jackson Memorial Hospital.
O desembargador federal, todavia, descartou a medida, alertando que o e-mail trocado entre o Dr. Rodrigo Vianna e autoridades do Ministério da Saúde mostra que não foi levado ao conhecimento do médico o fato de que já há diagnóstico da doença, depois de exames médicos efetuados pelo Hospital das Clínicas da UNICAMP e pelo Hospital Samaritano de Sorocaba.
Entendeu que é relevante também que a criança somente pode adentrar a fila de transplante multivisceral dos EUA estando em território americano, o que aumenta a urgência de sua remoção, diante da natural demora de disponibilidade de doadores – segundo o Dr. Rodrigo Vianna, a espera poderá ser de 3 a 6 meses.
O magistrado considerou também o estado clínico da bebê, que vem se mantendo em situação crítica, especialmente o seu fígado, traumatizado pela alimentação exclusivamente parenteral. Além disso, a decisão levou em conta a entrevista concedida à Rádio Ipanema, transcrita nos autos do processo, em que o Dr. Rodrigo Vianna afirma que “independentemente da síndrome, ela tem uma doença congênita que está afetando o intestino e que a nutrição parenteral está afetando o fígado. Então isso é até mais importante que a síndrome, o fato de que ela não consegue fazer a digestão e já está desenvolvendo problemas com o fígado”. Para Márcio Moraes, isso reforça a urgência e a necessidade de transferência da recorrente aos EUA para a realização do transplante.
O relator também descarta a solução alternativa apresentada pela União afirmando: “Além desse contexto que desaconselha a referida ‘alternativa’, certo é que ela foi formalizada de forma diversa da que nos foi aventada oralmente pela agravada. De um lado porque desinstrumentalizada de eventual aceitação do encargo, quer pelo Dr. Rodrigo Vianna, quer pelo Dr. Chapchap, quer pelo Hospital Sírio-Líbanês, que não são partes dessa demanda. De outro lado porque a ‘proposta’ está desacompanhada de comprovação mínima das providências administrativas para que a agravada tivesse tomado para cumprimento da antecipação da tutela que determinamos, o que não só a deslustra, como a faz parecer artifício de protelação”.
Já no que se refere à afirmação da União de que não pode interferir na concessão do visto americano, o desembargador federal disse que sua decisão somente determinou que, dentro de suas atribuições constitucionais e legais, tomasse posturas e diligências no sentido de apressar suas providências, podendo valer-se de seus vários órgãos, como, por exemplo, o Ministério das Relações Exteriores. Lembrou a existência de previsão quanto à concessão de passaportes de emergência (artigo 13 do Decreto nº 5.978/2006) e a concessão de visto para tratamento médico, cuja obtenção pode ser facilitada pela União, fornecendo auxílio e esclarecimento à família da bebê no trato das documentações e diligências necessárias.
Além disso, a agravante noticiou que já tomou as providências necessárias, destacando que o visto será concedido rapidamente após o pagamento da cirurgia junto ao hospital americano.
Agravo de Instrumento nº 0008474-47.2014.4.03.0000