Incorre em abuso de direito a instituição financeira que viola os seguintes artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC): 14 (por prestar informações insuficientes e inadequadas ao consumidor, causando serviço defeituoso), 39, inciso IV (por prevalecer-se de sua fraqueza, ignorância ou idade para vender serviços não solicitados) e 51, inciso IV (por colocá-lo em desvantagem exagerada em relação ao serviço que fornece).
A soma sinérgica dessas violações levou a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a declarar a nulidade absoluta de um contrato de empréstimo entabulado entre o Banco Pan e uma aposentada na comarca de Santo Ângelo.
Na prática, o colegiado converteu o contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RCM) em contrato de empréstimo consignado simples, vinculado à aposentadoria paga pela Previdência Social — como era o desejo da aposentada, quando da contratação do serviço.
Com o provimento da apelação, a banco foi condenado a pagar repetição de indébito simples dos valores cobrados a mais nas faturas mensais do cartão e também reparar pelos danos morais, no valor de R$ 5 mil, causados à consumidora idosa, como compensação pelos transtornos e aborrecimentos.
Ação declaratória
A autora foi à Justiça depois de descobrir que o empréstimo consignado que havia contratado era, na verdade, empréstimo na modalidade cartão de crédito, regido pela “reserva de margem consignável”’ (RMC). Na petição inicial da ação declaratória cumulada com indenizatória, a aposentada garantiu que nunca pediu nem recebeu este cartão —, mas sempre sofria descontos de seu uso nos contracheques do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Citado pela 3ª Vara Cível da comarca, o Pan apresentou contestação, defendendo a regularidade de sua conduta comercial, já que a contratação do empréstimo se deu de forma legal. Afirmou que a autora contratou e usufruiu do serviço de cartão de crédito na modalidade RMC. Logo, incabíveis os pedidos de reparação moral, anulação do contrato e a devolução do valor pago indevidamente (repetição de indébito).
Sentença improcedente
A juíza Marta Martins Moreira julgou improcedente a ação, por entender que a parte autora não comprovou a existência de erro na contratação do serviço financeiro, ônus que lhe incumbia a teor do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC). Além disso, por documentos que vieram aos autos, ela verificou que a autora firmou o termo de adesão ao regulamento para utilizar o cartão de crédito consignado. Assim, ante a contratação idônea e demonstrada a adesão, não se poderia falar em descontos ilegais nos contracheques.
“Não obstante, registra-se que a contratação de crédito bancário com reserva de margem consignável (RMC) é lícita, de modo que sequer o pedido de readequação/conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado normal merece procedência”, escreveu na sucinta sentença. Inconformada, a autora apelou ao Tribunal de Justiça.
Indução de erro na fase pré-contratual
O relator da apelação na 11ª Câmara Cível, desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, disse que o “acervo fático-probatório” produzido nos autos atesta que a idosa — que recebia pouco mais de R$ 600 mensais da Previdência Social — não tinha consciência de que estava aderindo, na fase pré-contratual, a um contrato de cartão de crédito com RMC, ao invés de um empréstimo consignado simples. O simples tem juros baixos, privilegiados, em face da garantia consignatária.
“No entanto, a instituição financeira induziu-a a aderir a outra modalidade de empréstimo, substancialmente mais gravosa, consistente no contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) ora sub judice, do que somente se deu conta quando buscou informações sobre o mecanismo financeiro das consignações RMC e viu-se diante de dívida impagável para as suas posses de segurado previdenciário do INSS”, anotou no acórdão.
Dívida impagável
Conforme Aymoré, os autos não trazem prova de que a aposentada tenha usado o cartão de crédito para saques e/ou compras, o que reforça a afirmação de que o objetivo dela era contratar, apenas, um empréstimo previdenciário consignado simples. Na verdade, discorre o relator, esta “fórmula de cobrança”, ancorada nos altíssimos encargos financeiros mensais do cartão de crédito RMC, eterniza e torna impagável a dívida.
“Aliás, é bem por isso que um número significativo de contratos de cartão de crédito com este mecanismo financeiro de pagamento (RMC) sequer contém cláusula que estipule a quantidade de parcelas mensais consignáveis. Vale dizer: para o segurado do INSS/RGPS [Regime Geral de Previdência Social] que entra nessa bomba de retardo, é questão de tempo a dívida tornar-se impagável”, finalizou.
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029/1.19.0000382-4 (Comarca de Santo Ângelo-RS)
Fonte: ConJur