Norma prevê que apenas pacientes com sintomas terão direito ao exame
Os planos de saúde terão que cobrir o teste de sorologia para Covid-19. Após muitas idas e vindas, a norma foi aprovada pela diretoria colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nesta quinta-feira. A regra, no entanto, restringe a cobertura a pacientes sintomáticos após o oitavo dia do aparecimento de sintomas.
A norma tem eficácia imediata a partir da publicação no Diário Oficial da União nesta sexta-feira.
O exame identifica a presença de anticorpos no sangue dos pacientes que foram expostos ao vírus em algum momento, independentemente de apresentarem sintomas da doença. Foram inseridos no rol o teste referente ao IgG ou a anticorpos totais.
A advogada Ana Carolina Navarrete, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), considera que a diretriz para o uso do exame está equivocada:
– Entendemos que deveria ser obrigação do plano cobrir sorológicos nas situações de pacientes que tiveram contato com pessoas positivadas, mas que não desenvolveram sintomas. O setor privado deve dividir com o sistema público o ônus de rastrear o crescimento da doença na população.
Durante a reunião, os diretores chamaram atenção para a importância da análise técnica para aprovação do teste, a inclusão de novos estudos científicos e defenderam a utilização em pacientes sintomáticos.
O teste de sorologia já havia chegado a ser coberto pelas operadoras por decisão judicial, entre 26 de junho e 14 de julho, quando a medida foi derrubada pelo Tribunal Regional Federalda 5ª Região. Dois dias depois, em decisão unânime, a diretoria colegiada da ANS suspendeu a Resolução 458 que incluia o procedimento entre aqueles que deveriam ser arcados pelos planos de saúde e convocou uma audência pública, no último dia 24, para debater o tema.
Para o advogado Rafael Robba, especializado em direito à saúde, do escritório Vilhena Silva Advogados, a decisão é uma conquista para o consumidor, ainda que tardia.
– O acesso ao exame veio com algumas diretrizes, mas é uma boa notícia para o consumidor. No entanto, a decisão da ANS veio de forma atrasada e atrapalhada, deixando muito claro que a Agência não sabe lidar com momentos de crise.
Já para FenaSaúde – entidade que reúne as maiores operadoras do setor – a decisão da ANS “desconsidera argumentos técnicos expostos por especialistas das mais diversas origens”. A federação destaca que “levantamentos mostram que, no oitavo dia, quase metade dos resultados podem ser falsos, o que pode levar a comportamentos perigosos num momento crítico da pandemia”. A entidade acrescenta que, segundos especialistas, o momento adequado para a realização dos testes sorológicos é a partir do 21º dia do início dos sintomas, quando a acurácia do exame é superior a 95%.”
Apesar de admitir que ahavia solicitado um intervalo de tempo maior para realização do exame, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), afirma que ” a avaliação preliminar da Diretriz de Utilização (DUT) para acesso ao teste sorológico é de que está tecnicamente correta”.
Desde março, no início da pandemia, os planos de saúde são obrigados a cobrir outros testes para diagnóstico da Covid-19, como o RT-PCR, que identifica o material genético do vírus em amostras de mucosa do nariz e da garganta.
Além desse, outros seis exames também estão incluídos no Rol de Procedimentos Obrigatórios com objetivo de diagnosticar a doença.
Confira quem pode fazer o exame pelo plano
- Pacientes com Síndrome Gripal (SG) ou Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) a partir do oitavo dia do início dos sintomas.
- Crianças ou adolescentes com quadro suspeito de Síndrome Multissistêmica Inflamatória pós-infecção pelo SARS-Cov2.
Critérios de exclusão
- Quem tiver um exame de RT-PCR prévio positivo para Sars-Cov-2;
- Pacientes que já tenham realizado o teste sorológico, com resultado positivo;
- Pacientes que tenham realizado o teste sorológico, com resultado negativo, há menos de um semana (exceto para crianças e adolescentes com quadro de Síndrome Mulsissistêmica Inflamatória;
- Testes rápidos;
- Pacientes cuja prescrição tem finalidade de triagem retorno ao trabalho, pré-operatório, controle de cura ou contato próximo/domiciliar com caso confirmado e
- Verificação de imunidade pós-vacinal.
Opinião, por Melissa Areal Pires, advogada especialista em Direito Médico e da Saúde da Areal Pires Advogados
Antes dessa decisão, durante as tratativas realizadas pelo órgão regulador, as operadoras de saúde manifestaram-se no sentido de que os testes seriam prejudiciais aos consumidores e que não trariam benefícios, já que o exame RT-PCR e outros já estariam na lista.
Defendeu-se não haver segurança sobre os benefícios e malefícios da incorporação do teste de sorologia na lista da ANS, diante da falta de acuidade do exame e que os custos da incorporação seriam repassados ao consumidor.
A decisão sobre incluir ou não o exame no Rol envolve diversos aspectos. Não podemos deixar de observar que, não obstante a baixa acuidade do exame, ele é fundamental para fins de pesquisa sobre a Covid19. Lembramos que o exame incluído no Rol, o RT-PCR, não foi amplamente indicado para todos os casos, especialmente os sintomáticos.
Ademais, em respeito às normas civis vigentes no país, não se pode permitir que um órgão regulador institua regramento que dificulte o melhor diagnóstico e o melhor tratamento, acabando por agravar o estado de saúde dos pacientes.
As diretrizes do Ministério da Saúde orientam que a covid-19 pode ser confirmada pelos critérios laboratoriais e, na ausência de teste, por critérios clínicos e epidemiológicos.
Há diferentes tipos de exames laboratorias no mercado. O do tipo RT-PCR, que é capaz de detectar o genoma do próprio vírus, pretende a confirmação do diagnóstico através da detecção do RNA do SARS-CoV-2 em amostra, de preferência, de raspado de naso e orofaringes. A literatura médica afirma que o exame é bastante seguro, se feito com uma coleta adequada e que considere a menor sensibilidade nos primeiros dias da doença. Há restrições importantes a serem consideradas, especialmente em um cenário onde se constata a propagação de exames falsos: as amostras coletadas devem ficar em geladeira, entre 2 a 8 graus célsius, por, no máximo, 72 horas, sob pena de, tanto perda da qualidade, quanto da necessidade de adoção de medidas que garantam o transporte dessas amostras para armazenamento em freezers com temperaturas extremamente baixas.
A sorologia, feita com amostra de sangue, ou seja, diferentemente da RT-PCR, verifica a resposta imunológica em relação ao vírus, a partir da detecção de anticorpos IgA, IgM e IgG em pessoas que foram expostas ao SARS-CoV-2. Considerando que a produção de anticorpos no organismo só ocorre depois de um período mínimo após a exposição ao vírus, é recomendada que seja feita com, pelo menos, 10 dias após o início dos sintomas.
Tal recomendação é importante para garantia de segurança do paciente, obrigando o médico a prescrever de forma específica a realização do exame, porque, ao se realizar o teste de sorologia fora do período indicado, há a possiblidade de um resultado falso negativo.
A recomendação também é importante na medida em que pode favorecer a gestão de recursos direcionados à realização de testes, já que, em caso de resultado negativo, uma nova coleta pode ser necessária, a exclusivo critério de médico assistente.
É preciso considerar, conforme a literatura médica, a especificidade das pessoas que, embora infectadas por SARS-COV-2, tem sintomas leves ou não apresentam nenhum sintoma, e não desenvolvem anticorpos detectáveis pelas metodologias disponíveis no mercado. Isso representa um cenário indesejável de resultados negativos na sorologia, mesmo em pessoas que tiveram COVID-19 confirmada por PCR, já que é capaz de levar autoridades a autorizarem, indevidamente, que a pessoa esteja em livre circulação e, assim, infectando pessoas.
Os testes rápidos, infelizmente, possuem a desvantagem de não serem muito confiáveis.
Sabe-se que, em uma realidade de ausência de vacinas e/ou drogas para tratamento da covid19, a testagem em massa é norteadora do isolamento social, e, por esta razão, primordial para a prevenção da disseminação do vírus.
Portanto, se for o caso de se indicar a realização do exame para o diagnóstico da Covid19, os especialistas ressaltam que há que se considerar alguns fatores, sendo o primeiro deles a sintomatologia do vírus e o fato de ter havido contato, da pessoa a ser examinada, com pessoa infectada. Também indicam um outro importante fator a se considerar na indicação do exame, que é a fase da doença do paciente: se mais na fase aguda, o PCR; se na convalescência, o sorológico.
É importante seguir as recomendações e diretrizes de diagnóstico da Covid19 para o efetivo controle da epidemia, já que os dados governamentais e da literatura médica indicam que testar apenas pacientes sintomáticos graves pode levar à subnotificação.
A testagem sorológica tem ganhado o noticiário desde o início da pandemia por uma razão muito específica, já que envolve a detecção dos anticorpos que neutralizam e impedem a infecção viral e, assim, podem nortear políticas públicas de retomada da economia.
O resultado do teste sorológico, ao indicar que o paciente passou pela doença e que se tornou imune a ela, estaria apto a exercer suas atividades profissionais em 72 após o desaparecimento dos sintomas. Destaque-se, aqui, que o resultado dos testes rápidos autoriza, apenas, a presunção de um resultado positivo, já que não são capazes de identificar essa neutralização do vírus. Identificam, apenas, a presença de anticorpos, sendo certo que ainda é desconhecido o tempo de permanência desses anticorpos no organismo.
A confiança que se tem no médico, muitas vezes credenciado ao próprio plano de saúde, é primordial. O usuário do plano de saúde deve poder confiar que está sendo disponibilizado a ele os serviços de apoio diagnóstico necessários, nos termos da lei 9656/98, e, até mesmo, deve-se avaliar a situação sob a ótica do impacto financeiro de se ter um aumento expressivo do número do pessoas infectadas, muitas vezes internadas, gerando maiores custos, num cenário onde poder-se-ia ter sido realizado, previamente, o exame que fosse o mais indicado, evitado maiores prejuízos para paciente e plano de saúde.