Julgamento é da 2ª seção e foi capitaneado pelo voto do relator, ministro Salomão.
A 2ª seção do STJ julgou nesta quarta-feira, 8, dois temas repetitivos:
(i) a possibilidade de cumular lucros cessantes com cláusula penal em atraso na entrega de imóvel (tema 970); e
(ii) a possibilidade da inversão, em desfavor da construtora, da cláusula penal estipulada exclusivamente para o consumidor, nos casos de inadimplemento também pelo atraso na entrega (tema 971).
No primeiro caso, o colegiado vetou a cumulação dos lucros cessantes com a cláusula penal; quanto ao segundo tema, os ministros entenderam possível a inversão da cláusula penal.
Em março, a seção já havia deliberado em questão de ordem que a lei do distrato (13.786/18) não seria aplicada para a solução de casos anteriores ao advento da legislação, com ou sem modulação.
Impossibilidade de cumulação
O relator dos recursos, ministro Luis Felipe Salomão, primeiramente proferiu o voto com relação à cumulação da cláusula penal moratória com indenização por lucros cessantes por inadimplemento do vendedor por atraso na entrega de imóvel em construção, objeto do tema 970.
Salomão explicou que a cláusula penal constitui pacto secundário acessório, e que o estabelecimento no contrato da pré-fixação da multa atende aos interesses das partes, garantindo a segurança jurídica.
Conforme o relator, a cláusula moratória tem natureza eminentemente reparatória, e o próprio CC prevê limite para a cláusula não levar ao enriquecimento ilícito. O ministro citou precedentes das duas turmas de Direito Privado para apoiar a tese de que, havendo a cláusula penal, não há a cumulação com lucros cessantes posterior.
“Havendo a cláusula penal no sentido de pré-fixar em patamar razoável a indenização, não cabe a cumulação com lucros cessantes posterior. (…) Pode a parte interessada desprezar a cláusula penal e ingressar com ação de lucros cessantes.”
No caso concreto, fixada a cláusula penal em 1% ao mês, valor considerado razoável, o ministro negou provimento aos recursos que buscavam a cumulação.
Os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Cueva, Marco Bellizze e Moura Ribeiro seguiram o entendimento do relator, formando a maioria. A tese fixada foi:
“A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação e, em regra, estabelecido em valor equivalente ao locativo, afasta sua cumulação com lucros cessantes.”
A divergência quanto ao tema da cumulação foi inaugurada pela ministra Nancy Andrighi, que defendeu que o entendimento do STJ estaria consolidado em sentido contrário. De acordo com Nancy, o entendimento proposto, “admitir a cumulação da cláusula penal moratória com lucros cessantes em caso de atraso na entrega de imóvel, uma vez que a cláusula penal moratória restringe-se a punir apenas o retardo ou a imperfeição da satisfação da obrigação, não funcionando nunca como pré-fixação de perdas e danos”. O ministro Marco Buzzi seguiu a divergência da ministra.
Inversão da cláusula penal
Em seguida os ministros julgaram a questão da inversão, em desfavor da construtora, da cláusula penal estipulada exclusivamente para o consumidor, nos casos de inadimplemento também pelo atraso na entrega (tema 971).
Salomão disse que extraiu dos precedentes “a melhor interpretação possível”, pois há incrongruência “gritante” da jurisprudência da Corte no sentido de estabelecer a inversão pura e simples para obrigações de naturezas distintas – uma a obrigação de concluir a obra e a outra de pagar.
O relator disse que é abusiva a prática de estipular penalidade exclusivamente ao consumidor para a hipótese de mora ou inadimplemento total da obrigação, isentando o fornecedor da mesma penalidade. Assim, propôs a tese: “Uma vez ou caso prevista a cláusula penal apenas para o inadimplemento do promitente-comprador no contrato de adesão firmado entre este e a construtora-incorporadora a mesma multa deverá, em inversão, ser considerada para indenização pelo inadimplemento do promitente-vendedor. Nos casos de obrigação de natureza heterogênea, obrigação de fazer e obrigação de dar, impõe-se sua conversão em dinheiro, apurando-se valor adequado e razoável para arbitramento da indenização pelo período de mora, vedada a cumulação com lucros cessantes.”
Os ministros fizeram ponderações acerca do enunciado e um dos últimos debatidos foi que “uma vez prevista a cláusula penal moratória apenas para o inadimplemento do promitente-comprador no contrato de adesão firmado entre este e a construtora-incorporadora, o valor desta multa servirá como parâmetro para possibilitar ao comprador o ressarcimento em caso de atraso do promitente-vendedor“. Contudo, a fixação do enunciado foi adiada para acolher sugestões dos ministros, e será definida na próxima sessão, dia 22 de maio.
Ficaram vencidos, neste ponto, Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, que acompanhou a divergência inaugurada pela ministra. A ministra Gallotti votou no sentido de que não há sentido econômico na punição da construtora pelo atraso, salvo quando decorrente de má-fé, fraude ou algo desse tipo. “A construtora não deriva nenhuma vantagem do atraso. Na grande maioria dos casos o atraso é causado por fatores fora do controle da construtora.”
Para a ministra, não há se falar em simetria na aplicação da penalidade impondo-se a um dos contratantes se não há obrigação correspondente. “Não se trata de inversão, mas de criação de uma nova obrigação, o que não é permitido, a meu ver. O nome inversão gera equívoco conceitual porque o que estamos fazendo é criar cláusula penal que não existia em desfavor da parte A ou B.” Na conclusão, Gallotti entende que se deveria nulificar a cláusula penal, não invertê-la: “Se a cláusula for abusiva, ela é ineficaz, é nula. E aí sim será didática.“
- Processos: REsps 1.498.484/1.635.428 e REsps 1.614.721/1.631.485
Fonte: Migalhas