Ao todo, no Brasil, já são mais de 300 mil pessoas com Síndrome de Down, uma alteração genética congênita, ocorrida no momento da concepção, causada pela presença de três cromossomos em todas ou na maior parte das células de um indivíduo. Enquanto a maior parte da população tem 46 cromossomos, o portador desta síndrome tem 47, o que faz com que tenha algumas características físicas específicas e maior incidência de doenças.
Hoje, dia 21 de março, comemora-se o Dia Internacional da Síndrome de Down. Assim, é importante registrarmos essa data trazendo para debate os temas mais relevantes que atingem essa enorme parcela da população.
Tratarei aqui de falar de dois assuntos relacionados à Síndrome de Down e os planos de saúde que, frequentemente, são alvos de questionamentos: a preexistência e a cobertura do tratamento.
É sabido que a Síndrome de Down não é considerada uma doença. Sabe-se também que não há nada que possa ser feito para evitá-la e que, em decorrência dela, o paciente pode desenvolver diversas patologias. É neste ponto que os planos de saúde passam a ter um papel fundamental na busca do portador da Síndrome de Down por uma melhor qualidade de vida.
Os planos de saúde são obrigados, por lei, a cobrir tratamento de todas as doenças listadas no CID da OMS. Consequentemente, têm a obrigação de cobrir o tratamento de todas as doenças das quais o portador da Síndrome de Down receba o diagnóstico. No entanto, com certa frequência, as operadoras se negam a cobrir alguns procedimentos que não constam expressamente do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que, por sua vez, é uma lista mínima, mas não exaustiva.
É preciso esclarecer que a Justiça já julgou como ilegais as negativas de cobertura a tratamentos indicados para portadores de Síndrome de Down em razão de os tratamentos não constarem no rol da ANS, abrindo diversos precedentes.
É o caso, por exemplo, de sessões de RPG, equoterapia e hidroterapia. A equoterapia, por exemplo, é fundamental para tratar a condição de hipotonia associada à Síndrome de Down, que é a flacidez da musculatura, ajudando também no desenvolvimento das habilidades sociais e cognitivas, beneficiando o desenvolvimento global das pessoas com deficiência.
Fica a dica: se o plano de saúde não possuir rede credenciada para a realização do tratamento médico indicado, a Justiça costuma determinar o reembolso integral das sessões pagas pelo paciente.
Agora tratando da questão da preexistência. Se a Síndrome de Down não é considerada doença, não há que se informar na Declaração de Saúde como sendo doença.
De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), “a Síndrome de Down é uma alteração genética que não pode, por ser síndrome, ser considerada doença ou lesão preexistente”. Nem todas as patologias decorrentes da Síndrome de Down caracterizam-se como doença ou lesão preexistente, visto que poderão se manifestar após a contratação ou adesão ao plano.
A Resolução Normativa (RN) nº 162/2007 da ANS permite a inserção nos contratos de planos privados de assistência à saúde individual, familiar ou coletivos de cláusula de Cobertura Parcial Temporária (CPT), que consiste na suspensão da cobertura de Procedimentos de Alta Complexidade (PAC), leitos de alta tecnologia e procedimentos cirúrgicos relacionados exclusivamente às doenças ou lesões preexistentes declaradas pelo beneficiário ou representante legal, durante o período ininterrupto de 24 meses.
A resolução prevê, ainda, como alternativa à Cobertura Parcial Temporária, o oferecimento de cláusula de Agravo, que corresponde a “qualquer acréscimo no valor da contraprestação paga ao plano privado de assistência à saúde, para que o beneficiário tenha direito integral à cobertura contratada, para a doença ou lesão preexistente declarada, após os prazos de carências contratuais”. Há um projeto de lei que tramita no Senado Federal, recentemente aprovado pela Comissão de Assunto Sociais (CAS), a fim de excluir do âmbito das doenças preexistentes as má formações congênitas, para que a elas não se aplique o prazo de carência de 24 meses, além de obrigar as operadoras a comunicar por escrito, de maneira fundamentada, a negativa da autorização de cobertura.
Para o procurador da República Claudio Gheventer, as operadoras de planos de saúde não podem impor aos usuários, tão somente em razão desta alteração genética, cláusulas de Cobertura Parcial Temporária (CPT) ou Agravo. Podem ser consideradas como doenças ou lesões preexistentes apenas aquelas que efetivamente já tenham se manifestado, no momento da contratação, no consumidor portador da Síndrome de Down. Inclusive, cabe às operadoras, o ônus da prova e da demonstração do prévio conhecimento do consumidor ou beneficiário acerca da doença ou lesão preexistente (DLP).
A recomendação do MPF visa assegurar às pessoas com deficiência o acesso a serviços de saúde, bem como coibir a discriminação das mesmas na provisão de seguro de saúde e de vida, conforme preconizado pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Por tudo isso, é bom que pais e responsáveis fiquem atentos aos seus direitos. Uma criança nasce com Síndrome de Down da mesma forma que nasce com olhos azuis ou cabelos encaracolados. De acordo com os especialistas, nascer com um cromossomo 21 a mais não torna uma criança doente. A informação e o exercício da cidadania através do conhecimento é a maior arma contra o preconceito!
Por Melissa Areal Pires, advogada e sócia da Areal Pires Advogados.