Proposta prevê indenização por uso de leitos e uso compulsório apenas em hospitais operando com, no máximo, 85% da capacidade
Os senadores aprovaram nesta terça, por unanimidade, o projeto que determina que os hospitais privados com até 85% de capacidade cedam leitos desocupados para internação de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) diagnosticados com o novo coronavírus ou com Síndrome Respiratória Aguda Grave. O texto também estabelece que os hospitais públicos e privados informem diariamente o total de leitos ocupados e disponíveis à central de regulação dos estados e do Distrito Federal.
O relator do projeto, senador Humberto Costa (PT-PE), incluiu em seu texto que apenas os leitos ociosos e destinados para a Covid-19 deverão ser cedidos ao SUS, desde que o hospital privado esteja com capacidade de atendimento inferior a 85% e de que haja negociação prévia entre os gestores do Sistema Único de Saúde e as entidades privadas.
O projeto, que ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados, também estabelece que os hospitais deverão informar diariamente a totalidade de leitos livres e ocupados, sejam eles de terapia intensiva, em enfermaria ou apartamentos, além da quantidade de ventiladores pulmonares que estão em uso, livres ou que passam por manutenção. Tanto os leitos quanto os respiradores destinados ao tratamento da Covid-19 deverão constar no relatório.
Ante do uso compulsório, a negociação exigirá chamamento público contendo, no mínimo, a quantidade, o prazo de utilização dos leitos e os valores de referência baseados em cotação prévia de preços no mercado. Essa negociação deverá ser feita entre a entidade responsável pelo hospital com a autoridade sanitária.
A definição da “justa indenização devida pelo uso compulsório dos leitos privados ociosos” ficará a cargo da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que é responsável pelo planejamento de implantação de políticas de saúde nos estados. Os valores de base para a indenização terá dois parâmetros para definir a indenização. Os recursos para as indenizações e contratações virão do Fundo Nacional de Saúde.
– A indenização, aquela que vai ser paga depois da utilização do leito, tem que ter dois parâmetro possíveis: um parâmetro é o valor que o Ministério da Saúde paga, de R$ 1.600, e o valor definido no colegiado da Comissão Intergestores Bipartite, garantido-se que haja uma cotação prévia, que é aquela que acontece no momento em que há a tentativa de contratação emergencial com o chamamento público. O objetivo é que não se paguem valores estratosféricos por esses leitos que serão utilizados compulsoriamente – explicou Humberto Costa.
O projeto estava previsto para ser votado na semana passada, mas o alongamento da sessão na última quarta-feira e o diagnóstico de contaminação por Covid-19 do Secretário-Geral da Mesa, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, no dia seguinte, a votação foi adiada para hoje. O relator do projeto, senador Humberto Costa (PT-PE) fez ajustes no relatório e apresentou uma nova versão nesta terça-feira.
Grande avanço
Para o presidente da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), Beno Monteiro, o projeto teve “grande avanço” entre o texto original e o que foi aprovado hoje. Ele destacou a mudança para que o uso compulsório dos leitos seja feita após a negociação e chamamento público com etapas como um dos avanços. Monteiro disse que, agora, o setor agora vai tentar conversar com deputados para que o projeto seja mais claro sobre o financiamento e os valores a serem negociados, o que está sob competência da CIB no texto aprovado hoje.
– Ainda precisava de um ajuste, principalmente, nas garantias do financiamento. Porque (o texto) ainda deixa em aberto a possibilidade que os valores a serem negociados ainda possa ser decidido pela CIB. Mas avançou muito e a gente tem ainda oportunidade de, na Câmara, continuar lutando para que ele saia da melhor maneira possível e, com isso, a gente possa atender o maior número de pessoas – afirmou Monteiro.
Transporte para cuidadores
Por consenso, os senadores também aprovaram o projeto da senadora Mara Gabrili (PSDB-SP), para estabelecer um transporte segregado para cuidadores de pessoas idosas, com deficiência ou com doenças raras. Enquanto durar o estado de calamidade pública no país, o Distrito Federal e os municípios com mais de 20 mil habitantes deverão “deverão garantir meio de transporte segregado ao acompanhante que desempenhe a função de atendente pessoal para seus deslocamentos em razão do atendimento à pessoa idosa, com deficiência ou com doenças raras”.
Deverão ser priorizados os veículos que façam o trajeto de porta a porta e os municípios poderão firmar cooperação federativa com outras unidades da Federação. As cidades que se enquadram no requisito populacional também poderão usar veículos destinados ao transporte escolar de alunos da rede pública de ensino que não estão em uso atualmente.
A própria senadora teve o diagnóstico positivo para a Covid-19 na semana passada, apesar de estar em isolamento social desde o início da crise no país. A suspeita é que ela tenha sido infectada por contato com uma de suas cuidadoras, que também foi diagnosticada e cuja mãe faleceu por causa da doença.
Em carta aos colegas, a senadora pediu apoio para a votação dos projetos apresentados por ela, que visam proteger pessoas com deficiência durante a pandemia da Covid-19. “É preciso alertar para o fato de que eu, uma senadora da República, com todos os cuidados tomados, não consegui ficar imune à doença. Imaginem quantos brasileiros espalhados por todo o Brasil não estão passando pela mesma situação. Esse grupo representa uma população mais vulnerável nessa pandemia justamente por estarem impedidos de adotar 100% o distanciamento e o isolamento social”, destacou Mara na mensagem aos colegas senadores na semana passada.
A obrigação dos hospitais privados de ceder leitos desocupados para internação de pacientes do SUS diagnosticados com a Covid-19 ou SRAG
Fonte: O Globo
Por Melissa Areal Pires, advogada especialista em Direito Médico e da Saúde, da Areal Pires Advogados – 1 de junho de 2020
O Senado Federal aprovou, na última terça-feira, por unanimidade, o projeto do senador Humberto Costa (PT-PE) que determina diversas obrigações para os hospitais privados, dentre elas:
- a negociação prévia com gestores do SUS sempre que estiverem com até 85% de capacidade, com vistas à celebração de acordo para a cessão de leitos desocupados para internação, de pacientes do SUS, diagnosticados com o novo corona virus ou com Síndrome Respiratória Aguda Grave
- a obrigação de informar, diariamente, à central de regulação dos estados e do Distrito Federal, não somete o total de leitos ocupados e disponíveis, sejam eles de terapia intensiva, enfermaria ou apartamentos, mas também a quantidade de ventiladores pulmonares em uso, disponíveis para uso ou em manutenção.
O valor a ser recebido pelos hospitais privados foi uma preocupação do relator do projeto de lei, ao afirmar: “a indenização, aquela que vai ser paga depois da utilização do leito, tem que ter dois parâmetro possíveis: um parâmetro é o valor que o Ministério da Saúde paga, de R$ 1.600, e o valor definido no colegiado da Comissão Intergestores Bipartite, garantindo-se que haja uma cotação prévia, que é aquela que acontece no momento em que há a tentativa de contratação emergencial com o chamamento público. O objetivo é que não se paguem valores estratosféricos por esses leitos que serão utilizados compulsoriamente.”
Assim, verifica-se que ainda não houve definição do valor, a ser recebido pelos hospitais privados, pela cessão do uso dos leitos anteriormente destinados somente a usuários de planos e seguros de saúde, o que será definido pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB), responsável pelo planejamento de implantação de políticas de saúde.
A problemática de leitos disponíveis para internação em território brasileiro é problema do nosso sistema de saúde de longa data. Em 2009, escrevi artigo sobre o assunto (https://arealpires.com.br/da-obrigacao-do-estado-em-cobrir-tratamentos-realizados-em-hospitais-privados/) denunciando, por exemplo, pesquisa da época divulgada pelo Sistema DataSUS, do Ministério da Saúde, especificamente no Estado do Maranhão, que chegou a uma conclusão alarmante: havia quase cinquenta pessoas a mais por cada leito naquele Estado. A proporção de cidadãos por leito, naquele Estado, era de 380,88. A Portaria de n. 1101/02 determinava que essa proporção fosse de, pelo menos, 2,5 a 3 leitos para cada mil habitantes, o que significava que os números no Maranhão ultrapassavam, naquela época, em quase cinquenta a média nacional estabelecida: 333,33 por leito.
No Estado do Ceará, a realidade não era diferente. A superlotação em hospitais da rede pública colocava em risco a vida das mulheres em trabalho de parto, pois faltavam espaço e equipamentos. Reportagem do Diário do Nordeste flagrou mulheres em trabalho de parto em macas e aguardando o atendimento adequado no Hospital Geral César Cals (HGCC). O Núcleo de Informação e Análise em Saúde da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), baseado em números do ano de 2008, concluiu que, a cada 100 mil partos realizado no Estado, 68,6 mães morriam. A média do Brasil era de 50 mortes para cada 100 mil nascimentos e o índice mundial era de 20 óbitos a cada 100 mil partos. De acordo com a assessoria de imprensa da Sesa, em números reais, 91 mulheres faleceram, em 2008, em decorrência do parto.
Entidades de defesa do consumidor e Ministério Público demonstram preocupação quanto à possibilidade de requisição de leitos privados para atendimento das demandas da saúde pública, pois entendem que pode gerar o que chamam de “incentivo reverso”, pois, se houver grande demanda de requisição, as chances de faltarem equipamentos é grande e já se sabe onde a solução do problema vai ocorrer: no Poder Judiciário.
O cenário que se apresenta, hoje, é a aflição de beneficiários de planos de saúde preocupados com a possibilidade de não terem acesso a leitos, sendo que tal preocupação é absorvida por entidades representativas do setor público e privado, que colocam em dúvida a legalidade da fixação de uma regra sobre reserva de leitos para uso do sistema público, já que é sabido que tal decisão será tomada em um ambiente político especialmente conturbado no momento.
A preocupação de que a demanda recaia sobre o Poder Judiciário é a grande bandeira em defesa do consumidor. A organização da fila única deve ser feita por quem tem efetivas condições de organizar as vagas e remunerar pelo uso, que é o Poder Executivo. Há entendimentos no sentido de que a judicialização da saúde, por meio de liminares, não resolverá o problema de forma coletiva e, por vezes, não resolverá o problema de cada paciente. As chances são grandes de enfrentarmos a situação de não haver vaga para ninguém, ainda que se destinem leitos privados para pacientes do SUS.
A sociedade aguarda novas medidas sobre o assunto a serem tomadas pela ANS, que já manifestou preocupação com o cenário de muitos estados nos quais a saúde suplementar já está no limite da capacidade. É fundamental que as medidas a serem tomadas pela ANS privilegiem a missão institucional do órgão regulador, de tomar todas as medidas que visem o equilíbrio do setor de saúde suplementar e a segurança do efetivo direito de acesso à saúde de todos os beneficiários de plano e seguros de saúde.