Com a edição da Resolução Normativa n. 388/2015, a Agência Nacional de Saúde deu mais um exemplo de como vem cada vez mais se eximindo de sua função de reguladora do mercado de saúde suplementar: aprovou, sem qual tipo de debate com representantes da sociedade ou de usuários de planos de saúde, o que as operadoras de saúde já vinham pedindo há muito tempo: o perdão das multas.
Pois é, em fevereiro de 2016 entrou em vigência a Resolução Normativa n. 388/2015 que, segundo a agência reguladora, “visa incentivar as operadoras de saúde a cumprir suas obrigações quanto à qualidade do atendimento junto ao beneficiário”. Na prática, agora a Agência Nacional de Saúde está autorizada a dar descontos nas multas aplicadas às operadoras de saúde quando estas cometem alguma infração (negativa de atendimento e/ou reajustes ilegais, por exemplo).
Você então deve estar se perguntando: a Agência Nacional de Saúde pretende “incentivar as operadoras de saúde a cumprir suas obrigações quanto à qualidade do atendimento junto ao beneficiário” perdoando parte das multas? É isso mesmo? Pois é, caríssimos cidadãos, é isso mesmo. E a Agência Nacional de Saúde ainda publica nota oficial atestando esse despautério. De fato, essa normativa, na prática, somente vai estimular o descumprimento dos direitos dos consumidores beneficiários de planos e seguros de saúde.
Veja o exemplo: Mariazinha, 35 anos, acaba de descobrir ser portadora de câncer e precisa iniciar o quanto possível seu tratamento oncológico, mas seu plano de saúde nega. Ela abre uma reclamação na operadora de saúde que lhe diz que vai analisar o pedido, sem estipular prazo para resposta. Mariazinha decide então fazer uma reclamação na ANS. A ANS, antes de instaurar o processo contra a operadora de saúde, notifica a empresa para que a mesma autorize o tratamento de Mariazinha em 5 dias; se a autorização do tratamento for concedida neste prazo, nenhum multa é aplicada à operadora que negou inicialmente a cobertura; se não for autorizado no prazo, a agência apura a infração e instaura o processo. Até aí, todos concordam que a operadora deve pagar 100% da multa, já que não autorizou o tratamento da Mariazinha, certo? Sim, claro. Só que não. Para a ANS, se a operadora de saúde não resolver o problema da Mariazinha no prazo inicial de 5 dias, poderá ter ainda mais uma oportunidade de resolver o problema, oportunidade essa irrecusável, diga-se de passagem, pois lhe permitirá pagar somente 20% do valor da multa originalmente fixada, se resolver o problema antes de instaurado o processo.
Veja o exemplo em números agora: uma multa por negativa de atendimento, no importe de R$80.000,00. Com desconto de 40%, por exemplo, que é dado para a operadora de saúde que não apresenta defesa e se compromete a pagar o valor da sanção à vista, em 30 dias, a multa sairia por R$48.000,00, ou seja, mais barato do que muito custo de internação por aí, dependendo do tratamento.
Esse é somente um exemplo da absoluta ilegalidade dessa Resolução Normativa. E por qual motivo é ilegal?
Inicialmente, nota-se o interesse da ANS em fazer caixa com o desrespeito ao consumidor. Se o histórico de aplicação de multas mostra que a maior parte das operadoras acabam recorrendo dessas penalidades e menos de 5% do valor devido acaba sendo recolhido aos cofres, a ANS deveria rever os prazos e os trâmites dos seus processos administrativos sancionadores e estimular as empresas que prestam serviços de assistência à saúde a cumprirem suas obrigações. Mas não é isso que faz. Ao revés, a Agência Nacional de Saúde premia as empresas que desrespeitam o consumidor com descontos nas multas e dá as costas para uma realidade cada vez mais presente: quando uma pessoa tem uma cobertura negada pelo seu plano de saúde, ela vai buscar o SUS, que deve obrigatoriamente prestar o atendimento que deveria ter sido prestado pela iniciativa privada e, muitas vezes, sem receber, já que não é adequada e regularmente ressarcido pela iniciativa privada por esse atendimento.
Por outro lado, a ANS dá um atestado de que desconhece totalmente para que servem multas em nossos sistema jurídico. A ANS se esqueceu que multas não servem somente para punir, mas também para prevenir.
O pior dos defeitos é, na esteira de continuar penalizando usuário em benefício das operadoras, obrigar o consumidor a entrar mais uma vez em contato com a ANS para informar que o problema não foi resolvido no prazo inicial, para que a ANS possa dar seguimento ao processo.
Por Melissa Areal Pires e Gustavo Areal Pires
março de 2016