Por Daiane Aragão, advogada da Areal Pires Advogados
É indiscutível que diversos contratos serão afetados pela ocorrência da pandemia causada pelo novo Coronavírus. As medidas de prevenção vêm acarretando a suspensão de diversos serviços importantes e que têm grande impacto econômico e social, incluindo os contratos imobiliários.
Especificamente no que diz respeito às incorporações imobiliárias é importante esclarecer que constituem uma modalidade de contratos que têm como finalidade a venda antecipada de unidades imobiliárias, visando obter recursos para construção e entrega no futuro das unidades habitacionais.
Esta relação jurídica é formada entre o comprador do bem imóvel, que estiver sendo comercializado, e pelo incorporador, que é a pessoa física ou jurídica responsável por organizar tudo o que é necessário para o desenvolvimento das atividades que possibilitarão a existência de um empreendimento imobiliário.
Diante de uma situação excepcional é importante ter em mente que negócios jurídicos podem ser revistos e pode não haver legitimidade na conduta de quem pretende imputar, a quem estiver inadimplente por causa da pandemia, o cumprimento de determinadas obrigações contratuais. Assim, deve-se levar em conta a inclusão das hipóteses extraordinárias, sendo casos fortuitos ou força maior no período da “cláusula de tolerância”.
Os contratos de incorporações imobiliárias costumam prever prazos para a entrega das obras, atendendo as normas previstas da Lei n. 4.591/64, sobre Condomínios e Incorporações Imobiliárias. A cláusula de tolerância prevê a extensão do prazo de entrega para mais 180 dias, conforme a própria lei estabelece e foi pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça como razoável, no julgamento do Recurso Especial n. 1.582.318, julgado pela Terceira Turma.
O que não ficou claro na alteração legislativa e nem no julgado do STJ foi a possibilidade de exclusão da responsabilidade do incorporador pela não entrega do imóvel conforme previsto no contrato em razão de situações imprevistas não diretamente ligadas à atividade.
É aqui que a situação da pandemia merece reflexão, pois em se tratando da sua ocorrência como fato superveniente à atividade do incorporador, sendo caso fortuito ou força maior, exclui-se a responsabilidade daquele que deixou de cumprir com as cláusulas previstas no contrato.
Mesmo sem o respeito ao prazo de tolerância geralmente disposto nos contratos, pode sim o incorporador se eximir da responsabilidade civil prevista em lei, mas apenas quando ocorridos eventos que se enquadram como fortuito externo. O prazo legal diz respeito tão somente às hipóteses inerentes ao risco da atividade, que caracterizam o fortuito interno.
O caso fortuito é caracterizado pela imprevisibilidade e a força maior, pela inevitabilidade. Ainda que ambos os conceitos produzam consequências idênticas, o que importa é que ninguém foi capaz de prever uma pandemia e muito menos seria capaz de evitá-la.
A situação atual configura os conceitos acima, uma vez que as determinações de fechamento do comércio e indústrias, além de restrições de transportes, ocasionaram falta ou falha no abastecimento de produtos em todos os setores. Assim, é fato público, com alto grau de imprevisibilidade e inevitável ao incorporador. Portanto, configura fortuito externo.
Este entendimento é primordial para que se impeça que, ainda que contratos de compromissos de compra e venda decorrentes das atividades de incorporação imobiliária sejam rediscutidos no Judiciário no pós-pandemia, sejam prolatadas decisões conflitantes, ocasionando uma indesejada insegurança jurídica.
Considerando todas as peculiaridades ocasionadas pela pandemia, bem como a necessidade de fortalecimento da atividade econômica, a harmonização entre a defesa do consumidor e o desenvolvimento econômico, deve-se admitir a exclusão da responsabilidade do devedor mesmo quando extrapolar o prazo de tolerância por infortúnios provocados direta ou indiretamente pelas ações governamentais de diminuição dos impactos da Covid-19 no país.