Por constatar culpa exclusiva da ré, a 26ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo condenou a construtora Gafisa a outorgar a escritura de um imóvel e a indenizar e ressarcir os dois compradores do bem. A empresa também foi condenada a pagar multa por litigância de má-fé porque, segundo a sentença, ela manipulou dolosamente informações em sua contestação.

Devido a uma “postura temerária” perante a Justiça, o juiz Felipe Albertini Nani Viaro ainda mandou oficiar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as bolsas de valores B3 e New York Stock Exchange, bem como a própria diretoria de governança, compliance e jurídica da empresa, para a adoção das providências cabíveis.

Os autores firmaram compromisso de compra e venda com a Gafisa em junho do último ano, para aquisição de um apartamento em um condomínio no bairro de Santa Cecília, na região central da capital paulista. O valor foi quitado à vista, mas a empreiteira não outorgou a escritura definitiva do imóvel.

Os compradores também contaram que tiveram de pagar taxas condominiais e valores de IPTU de um período anterior à compra, o que seria de responsabilidade da Gafisa. Eles vinham pedindo o reembolso desde agosto do ano passado, mas ele ainda não havia ocorrido.

A Gafisa alegou que os autores não teriam pagado as custas cartorárias para o registro da escritura, nem mesmo efetuado o procedimento para transferência da propriedade. Também defendeu que os compromissários compradores deveriam concorrer para as despesas de IPTU e cotas condominiais e que o próprio contrato estabeleceria tal previsão.

Em réplica, porém, os autores argumentaram que não poderiam pagar as custas devido a inúmeras averbações de indisponibilidade existentes sobre o imóvel. A própria Gafisa teria reconhecido os transtornos em um e-mail e se comprometido a resolver a questão, o que não aconteceu.

Fundamentos
“Evidente que não houve qualquer inércia por parte dos autores em pagar as custas do cartório, tendo em vista que sequer as indisponibilidades foram canceladas, oportunizando o regular registro da propriedade”, apontou o juiz.

O magistrado também indicou que os autores não teriam demorado para promover o registro, pois já havia indisponibilidades averbadas na matrícula à época da celebração do contrato. Por isso, determinou que a construtora tomasse as ações necessárias para a baixa das indisponibilidades.

Viaro ainda observou que, segundo o contrato, os autores ficariam encarregados de despesas condominiais e IPTU apenas a partir da data do negócio. Por isso, seria necessário o ressarcimento dos valores.

Já quanto aos danos morais, o juiz considerou que “o campo dos meros dissabores foi superado com a frustração grave de legítima expectativa de confiança depositada pelos autores na atuação da ré”. Assim, houve “abalo moral” devido à “impossibilidade de exercer plenamente o seu direito de propriedade” após um alto investimento imobiliário — sem contar outros “diversos imbróglios de cunho administrativo e judicial”. Foi fixado um valor de aproximadamente R$ 84,2 mil, equivalente a 20% do contrato original.

Má-fé
Para Viaro, a Gafisa teria manipulado informações na sua contestação, ao indicar que os autores se recusaram a pagar as custas cartorárias; ao afirmar que as anotações de indisponibilidade só ocorreram em função da morosidade dos autores; e ao defender a aplicação de uma cláusula de contrato diverso ao dos autores quanto às despesas condominiais e IPTU.

“Tal postura é incompatível com a seriedade do processo e ao dever geral de cooperação, e não pode ser normalizada, como se fosse mera utilização dos mecanismos inerentes ao direito de defesa”, pontuou o juiz. Foi imposta uma multa de 9% do valor da causa, a ser recolhido em favor do Fundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, “já que a conduta se deu em detrimento da credibilidade das instituições judiciárias”.

Por fim, o magistrado lembrou que a ré vem apresentando condutas semelhantes em outros processos que tramitam no mesmo foro. Em alguns cumprimentos de sentença, a empresa estaria usando outras subsidiárias para ocultar patrimônio. Segundo ele, a Gafisa estaria transformando o descumprimento de suas obrigações em um verdadeiro “modelo de negócio”.

Como a construtora é listada nas bolsas de valores de São Paulo e Nova York, Viaro considerou que as infrações poderiam contrariar as regras de governança exigidas pelas instituições. Por isso, a sentença serviu também como ofício às organizações mencionadas. Cabe recurso da decisão.

Decisão
1124869-14.2020.8.26.0100

Fonte: ConJur

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