Todo dia, pelo menos nove pacientes entram com ação. Defensoria quer proibir convênios de ampliar clientela e obrigar internação em rede não credenciada caso não tenham leitos
Pagar todo mês o plano de saúde para fugir das filas do SUS deixou de ser garantia de atendimento médico no Rio. Segurados têm sido forçados a recorrer à Justiça para garantir internações, cirurgias e exames. Por dia, nove pacientes com plano procuram a Defensoria Pública do Estado, seja no Núcleo de Defesa do Consumidor (em média cinco), seja à noite, no Plantão Judiciário (quatro).
A falta de leitos credenciados para CTI e UTI neonatal tem levado ao desespero defensores públicos, que já trabalham em ação civil pública para proibir operadoras de vender planos enquanto não aumentarem a rede credenciada. Eles querem que o convênio pague outro hospital privado se não tiver leito para oferecer. Em todo o estado do Rio, 6.032.586 pessoas têm plano de saúde.
Aos 40 dias de vida, Gabriel Gonçalves, que tem plano, só conseguiu ser internado na UTI depois que seu pai, Fábio Gonçalves, buscou o plantão judiciário. “Fiz o plano dele num dia. No seguinte, ele começou a ter dificuldade de respirar. Levei num hospital público porque achei que era só nebulização. Mas ele piorou muito. A operadora disse que tinha carência. Mas a médica da rede pública me orientou a buscar a Justiça”, contou Fábio. Após entrarem com a ação, o bebê foi hospitalizado.
“A impressão é que os planos estão comercializando produtos, mas não estão fazendo com que o crescimento da rede credenciada seja compatível com a malha de associados”, disse o defensor público Fábio Schwartz. “Estamos levantando os casos para entrar com ação contra as operadoras”.
Segundo Schwartz, antes de dar entrada na ação, a Defensoria tentará Termo de Ajustamento de Conduta: “A gente pode firmar um termo de compromisso com metas a serem cumpridas”.
Em três horas, quatro pedem socorro à Defensoria
Em três horas no Plantão Judiciário de terça-feira, O DIA flagrou cinco pessoas atendidas com problemas relacionados ao atendimento de saúde — quatro com planos.
“Meu filho Caio, de 7 meses, está com diarreia, vomitando e desidratado. Ele estava no soro, mas os médicos deram alta porque o plano não autorizou a internação. Eles dizem que ele só poderia ser atendido por 12 horas”, disse, chorando, o operador de rádio Willian Galhardo,42 que paga há 2 meses o plano Dix.
Caio foi internado e a cirurgia, autorizada. Em nota, a Amil, dona da Dix, afirma que não recusou atendimento e que a família entrou com liminar por achar que teria o pedido de internação negado. Já a Dix diz que não há registro de pedido de internação, apesar de o bebê estar internado.
Falta de leitos na rede força internação até em outro estado
A falta de leitos na rede credenciada aumenta o sofrimento das famílias. Além da demora para ser atendido e da necessidade de recorrer à Justiça, há casos em que pacientes precisaram ser internados longe de casa.
“Temos caso de paciente transferido até para outro estado. É comum a pessoa morar no Rio e ser internada em São Gonçalo, em Caxias. Tem sido recorrente”, conta Schwartz.
Foi o que aconteceu com o pequeno Gabriel. Morador de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, o bebê só pôde ser internado em Duque de Caxias, na Baixada. “Não tinha UTI neonatal perto de casa. É longe, mas estou mais tranquila. Ele estava na emergência sem os aparelhos necessários”, diz mãe Antônia Rodrigues.
FÁBIO SCHWARTZ, DEFENSOR PÚBLICO: ‘A GENTE SE SENTE DE MÃOS ATADAS’
Defensor Público do Núcleo de Defesa do Consumidor, Fábio Schwartz afirma que 95% das liminares relacionadas a recusas de planos de saúde pedidas à Justiça são concedidas. Nem todas, no entanto, são cumpridas. Para ele, a necessidade de se ter um plano — devido “à falência da rede pública” — deixa o consumidor em posição difícil. Ele afirma ainda que as operadoras “estão ávidas por lucro”.
1. Em dez anos, o número de usuários de planos cresceu 50%. Isso aumenta a falta de leitos?
— Hoje, ninguém quer depender da saúde pública porque ela está falida. As classes C e D estão aumentando a renda e se esforçando para pagar pela saúde suplementar. Só que os planos de saúde recebem a demanda, mas não investem na mesma proporção na ampliação da rede credenciada.
2. Algumas liminares não são cumpridas. Qual o caminho para solucionar o problema?
— A Defensoria garante o acesso ao Judiciário, que, em última instância, é o grito de desespero do consumidor. Às vezes, os planos descumprem a liminar. O problema vem ganhando dimensão muito grande, é sistêmico, não vai ser resolvido por um só setor. É preciso conjugação de forças do Judiciário, Executivo, fiscalização e multas pesadas.
3. Como é atender um pai com um filho em risco de vida e saber que, mesmo com liminar, o filho pode não ter um leito?
— É muito angustiante. A gente se sente, às vezes, de mãos atadas, angustiado, mas sempre pronto para enfrentar com as armas que a gente tem, que nem sempre são suficientes.
4. As operadoras agem de forma parecida?
— Sim. Todas, praticamente, se nivelam por baixo e adotam a mesma postura. A mentalidade não está focada em satisfazer as necessidades dos consumidores. Os planos de saúde são ávidos por lucro. A visão deles é de uma atividade puramente econômica. O que não deveria ocorrer porque, se eles queriam visar só o lucro, deveriam procurar outro ramo para atuar.
5. Além da falta de leitos, a Defensoria já recebeu outras queixas?
— Os problemas são cíclicos. Houve uma época em que o maior problema era que os planos se recusavam a cobrir órteses e próteses. Agora, surgiu um novo fato, que é a ausência de leitos para internação.
Fonte: O Dia Online