O Código de Defesa do Consumidor (CDC) já foi acusado de ser “excessivamente protecionista”. Pergunto: alguém seria contra uma lei que protegesse o menor de idade? Ou um deficiente? Ou, então, contra uma lei que desse alguns privilégios à mulher grávida? Ora, o mesmo se dá com o consumidor: A lei reconhece que ele necessita de proteção. Aliás, a proteção estabelecida no CDC advém de comandos constitucionais: O inciso XXXII do art. 5º diz que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” e o art. 48 do Ato das disposições constitucionais transitórias estabeleceu que o “Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição” deveria “elaborar o código de defesa do consumidor”. Daí, a Lei 8078/90 nada mais fez do que reconhecer o óbvio da sociedade capitalista: O consumidor é vulnerável e, por causa disso, precisa de amparo. Ademais, o CDC reconhece que, dentre os consumidores, há alguns que são ainda mais vulneráveis, exigindo maior proteção, como se pode ver do inciso IV do art. 39 ou do parágrafo 2º do art. 37.
Muito bem. Hoje cuido de consumidores que têm essa proteção especial. Falo dos idosos. Os consumidores, como eu disse, são protegidos pelas regras do CDC (Lei 8078/90) e os idosos pelo Estatuto do Idoso (EI: Lei 10.741/03). Na sequência, apresento, com fundamento nesses dois diplomas legais, alguns direitos dos consumidores idosos.
O idoso consumidor
Em primeiro lugar, lembro que, por força de expressa disposição legal, o consumidor é considerado vulnerável porque, no mercado de consumo, ele é apenas aquele que atua no polo final, sem ter condições de saber como os produtos e serviços são fabricados e oferecidos, quais são suas reais condições de operacionalidade, funcionamento, qualidade; se as informações fornecidas são verdadeiras ou não; se, inclusive, ele precisa mesmo adquirir determinado produto ou serviço etc.
Enfim, o consumidor é aquele que age, digamos assim, passivamente no mercado de consumo, na medida em que ele não determina nem conhece os modos de produção, os meios de distribuição e sequer decide pela criação deste ou daquele produto ou serviço. Assim, independentemente de sua idade, o consumidor precisa mesmo de proteção legal.
Além disso, como adiantei, o CDC já havia dado especial proteção a certos tipos de consumidores, protegendo-os mais fortemente que os demais no capítulo das práticas comerciais. Lá, especificamente no artigo 39, estabeleceu que é “vedado ao fornecedor prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social” (inciso IV). De modo que, o idoso-consumidor já tinha proteção legal especial nas relações de consumo. É verdade que, com o EI, de pronto, estabeleceu-se novo marco de idade para a caracterização do idoso, o que ampliou o leque de proteção. Idosa, por definição legal, é toda pessoa que tiver idade igual ou superior a 60(sessenta) anos (art. 1º, EI).
Prioridade no atendimento
O EI garante o direito à prioridade, buscando assegurar ao idoso atendimento preferencial numa série de serviços públicos e privados. Aliás, atender pessoas idosas discriminando-a positivamente sempre foi uma exigência da concreta aplicação do princípio da isonomia do texto constitucional. Para dar atendimento preferencial – qualquer que fosse, e indistintamente de ser público ou privado – bastava, em primeiro lugar, ser educado – como se faz oferecendo o lugar no ônibus – ou exigindo os direitos garantidos na Constituição Federal.
Esse tratamento diferenciado como obrigatório, claro, é um reforço àquilo que já existia. Mas, o que preocupa é o fato de que, mais uma vez se coloca na lei algo que o próprio Estado não respeita nem tenta aplicar concretamente. Veja, a título de exemplo, o que regularmente ocorre, infelizmente, com os milhares de aposentados (maiores de 60 anos!) que fazem filas diariamente em frente aos postos do INSS pelo Brasil afora; eles ficam várias horas por dia debaixo de sol e chuva, muitos passam mal, desmaiam, adoecem; centenas têm mais de setenta e até oitenta anos; outros fazem filas nos postos de saúde e hospitais públicos etc.
Ora, como é que se aplicará a lei que dá proteção ao idoso se o Poder Público – e suas autarquias — é o primeiro a não cumpri-la? Faço questão de colocar aqui esse comentário, pois para dar prioridade ao idoso, o Poder Público jamais precisou de lei ordinária: bastava cumprir o comando constitucional.
Planos de saúde
O EI regra alguns direitos que o idoso goza no que diz respeito à proteção à sua saúde. Ressalto, nesse ponto, um dos aspectos mais importantes, o de que ficou proibida a cobrança de valores diferenciados ao idoso pelos Planos de Saúde. A discriminação em função da idade ficou vedada (§ 3º do art. 15). Assim, com o estabelecimento dessa norma, ficou simplesmente proibido o aumento da contraprestação pecuniária dos usuários-idosos dos planos privados de assistência à saúde.
Descontos em ingressos
O consumidor-idoso tem direito a 50% (cinquenta por cento) de desconto nos ingressos para toda e qualquer atividade de diversões públicas, tais como eventos esportivos, culturais, artísticos e de lazer (art. 23, EI). Desse modo, cinemas, teatros, estádios de futebol etc. somente poderão cobrar metade do valor de face dos ingressos.
A lei nada fala a respeito da qualidade dos assentos nos locais em que os serviços de diversões e culturais estão sendo oferecidos e todos sabem que muitos deles cobram preços diferentes em função da localização: arquibancada, geral, numerada nos estádios de futebol; galeria, plateia, balcão, camarote nos teatros, etc. A interpretação que se deve dar ao texto é, evidentemente, que cabe ao consumidor-idoso escolher o assento e pagar metade do preço, independentemente de sua localização.
Para exigir o desconto, basta que o consumidor-idoso apresente qualquer documento que comprove sua idade. As normas do capítulo no qual está inserido esse direito nada dizem a respeito, mas por analogia com o § 1º do art. 39 (que cuida do transporte), entendo que é o máximo que o fornecedor pode exigir.
Serviços de transporte
No que respeita aos transportes públicos, o EI fixa uma série de direitos:
a) aos consumidores-idosos usuários dos serviços de transporte coletivo urbano e semi-urbano é assegurada:
a1) a gratuidade. Essa regra vale para os idosos com idade igual ou superior a 65(sessenta e cinco) anos e estão excluídos da garantia os serviços de transporte seletivos ou especiais prestados simultaneamente aos regulares;
a2) as empresas de transporte coletivo deverão reservar 10%(dez porcento) dos assentos para os idosos, devidamente identificados;
b) no transporte interestadual:
b1) fica assegurada a reserva de 2 vagas gratuitas por veículo para os idosos com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos;
b2) sempre que o número de idosos interessados numa viagem especifica exceder as duas vagas reservadas, os demais (que perceberem até dois salários-mínimos) terão direito ao desconto de 50% no preço da passagem.
O artigo 41 garante aos idosos 5% de vagas “em estacionamentos públicos e privados”, que deverão “ser posicionadas de forma a garantir comodidade” na sua utilização, mas remete a regulamentação à lei local, o que dificulta sua implementação.
Já o art. 42 garante prioridade no embarque em todo o sistema de transporte coletivo, de modo que os prestadores de serviços em geral deverão cumprir tal regra tanto nas rodoviárias, como nos portos e aeroportos. A propósito, anote-se que nos embarques feitos em aeroportos, as companhias aéreas têm de dar preferência aos idosos juntamente com pessoas com crianças de colo e deficientes.
Aponto, e repito, que, para o idoso ter acesso a todos esses benefícios, basta que demonstre a idade mediante a apresentação de qualquer documento pessoal (§ 1º, art. 39, EI).
Internação do idoso
As entidades de atendimento do idoso, quer sejam governamentais ou privadas, estão sujeitas à inscrição de seus programas junto aos órgãos competentes existentes: Vigilância Sanitária e Conselho Municipal da Pessoa idosa e, na falta deste, no Conselho Estadual ou Nacional da pessoa idosa (Parágrafo único do art. 48).
A oferta dos serviços feitas por essas entidades está regulada pelo CDC (art. 30 e seguintes), assim como o contrato a ser firmado deve obedecer ao comando da lei de proteção ao consumidor (arts. 46 e seguintes), mas o EI, no seu artigo 50, regrou especificamente o mínimo no que respeita a oferta e contratação. Obrigou a que seja feito contrato escrito; determinou a oferta de uma série de itens no que diz respeito à qualidade dos serviços oferecidos (incisos II a XVII), dentre os quais se destacam a necessidade de criar espaço para o recebimento de visitas (inciso VII), a obrigação de fornecer atividades educacionais, esportivas, culturais e de lazer (inciso IX), o dever de manter arquivo atualizado com todas as informações referentes a cada idoso individualmente, tais como data de ingresso na entidade, nome do idoso e de seu responsável, com endereço atualizado, relação de seus pertences – cujo recibo tem de ser oferecido na entrada, conforme inciso XIV –, valores cobrados a título de preço e contribuições, assim como suas alterações e todos os demais dados que envolvam o idoso (inciso XV).
Conclusão
Estão aí, pois, alguns direitos estabelecidos em lei a favor do consumidor-idoso. Resta a esperança de que algum dia, em nosso país, os idosos possam mesmo ser respeitados com ou sem lei!