O ano de 2017 foi marcado pelas notícias de crise no setor imobiliário e iminência de alteração da Lei 4.591/64 por medida provisória ou de um pacto de consolidação de regras contrárias ao Direito do Consumidor, fato que tivemos oportunidade de estudar em artigo sobre o tema nesta coluna em março daquele ano.
A medida provisória e o pretendido pacto acabaram não se consolidando, inobstante às pressões para alteração do estado das coisas no setor, qual seja, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que, por meio de súmula e julgamentos reiterados, considera, diante de ausência de previsão legislativa, a possibilidade de o consumidor rescindir contratos de compra e venda de imóveis na planta, havendo direito de devolução imediata das prestações pagas, com retenção pela fornecedora de até 25% dos valores.
O tema dos contratos de compra e venda de imóveis na planta ocupa os tribunais de todo o país em razão da insistência do setor em fazer cumprir as regras de defesa do consumidor e jurisprudência pacificada dos tribunais. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp 1.551.951/SP, assinalando a ilegalidade da cobrança da taxa de serviço de assessoria técnico-imobiliária e da legalidade do repasse integral ao consumidor da comissão de corretagem.
A pacificação do assunto pelo STJ, por meio de recurso repetitivo e de súmula, não foi suficiente para que o assunto voltasse a ameaçar o direito dos consumidores. Nesse sentido, a Câmara dos Deputados aprovou, no dia 6 de junho, o substitutivo do PL 1.220/2015, de autoria do deputado José Stédile (PSB-RS). O texto, em síntese, consolida a jurisprudência desfavorável aos consumidores: cláusula de tolerância de 180 dias, comissão de corretagem, modifica a devolução imediata dos valores pagos em patamar não superior a 25%. Vejamos alguns pontos:
a) o artigo 43-A passa a “legalizar” a cláusula de tolerância contida nos contratos de venda de imóveis na planta. Por essa cláusula, a construtora/incorporadora se reserva o direito de atrasar por 180 dias, sem qualquer penalidade, a entrega do imóvel da data prevista no próprio contrato ou em material publicitário. O que deixa de cumprir a norma consumerista, na qual o fornecedor está vinculado à oferta que patrocina. Desconsidera-se o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor;
b) o parágrafo 2º, artigo 43-A, estipula uma penalidade de 1% do valor pago à incorporadora, inovando a jurisprudência favorável, no ponto ao consumidor, que estipula, como penalidade, o arbitramento de uma multa no valor de um suposto aluguel, já que o consumidor fica privado do uso do imóvel do qual iria usufruir. O valor arbitrado é bem inferior ao suposto valor de aluguel e não representa satisfatoriamente o papel de desestímulo próprio de cláusulas penais;
c) o PL 1.220 trata do desfazimento do contrato, mediante distrato ou resolução por inadimplemento do adquirente, tendo a previsão expressa da perda da comissão de corretagem pelo consumidor em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que vem entendendo, mesmo no caso de estandes de venda do próprio fornecedor, que é do consumidor a obrigação por seu pagamento;
d) o inciso IV, artigo 67-A prevê que o consumidor deve arcar com demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato. Esse inciso viola os direitos básicos do consumidor, caracterizando-se ainda como cláusula abusiva ao possibilitar unilateralmente ao fornecedor modificar o valor do contrato e dos encargos a serem pagos pelo consumidor. Essa alteração é sentida logo no parágrafo 4º quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação de que trata a Lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% da quantia paga.
e) o projeto trata também da hipótese de arrependimento do consumidor, hipótese contemplada no artigo 49, do Código de Defesa do Consumidor. Porém, que estabelece como única forma de comprovar tal arrependimento será com o envio de carta registrada, em total desarmonia com o Código de Processo Civil que abandonou o sistema de prova tarifária.
Em ensaio preliminar sobre o tema, uma vez que o assunto merece cautela, em especial diante da defesa do consumidor, é preciso recordar que o contrato de incorporação imobiliária é um contrato de consumo, e como tal submete-se aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor, sujeito em seu cerne às bases constitucionais — direitos e garantias fundamentais, bem-estar do consumidor, direito à moradia.
É urgente um manifesto em defesa do consumidor diante do setor imobiliário. Salutar a atenção com a alteração legislativa para que não represente um retrocesso, inviabilizando a aquisição de imóveis. Eis um primeiro ato!
Fonte: conjur.com.br