Melissa Areal Pires
O número de processos judiciais sobre o Direito à Saúde aumenta consideravelmente ano a ano. Conforme dados da 14ª edição, de 2018, do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, foram ajuizadas, no ano de 2.017, 1.778.269 ações judiciais sobre o tema.
Desse relatório, podemos observar um crescimento considerável especificamente sobre as ações que discutem erro médico, comparando com o ano de 2.017, senão veja-se: em 2.017, foram 57.739 ações, ou seja, 158 por dia, 6,5 por hora. Já em 2018, foram 83.728 ações, ou seja, 230 por dia, 9,6 por hora.
Em São Paulo, conforme informações do Tribunal de Justiça do Estado, houve crescimento de 101% entre 2.013 e 2.017, sendo quase 500 ações judiciais em 2.017 (na capital) e, em um dos últimos registros, também na capital do Estado, contabilizava-se, aproximadamente, 300 ações, somente até o meio do ano de 2.018.
Em todo o Estado de São Paulo, no ano de 2.017, foram mais de 1.700 ações sobre erro médico. O maior número desde 2.013. Só até julho de 2.018, foram quase 1.000 novas ações em todo o Estado de São Paulo, conforme o levantamento do Tribunal de Justiça do Estado.
No âmbito ético-disciplinar, os processos também são numerosos. De janeiro de 2.014 a junho de 2.018, o Conselho Federal de Medicina julgou 714 ações com acusações de erro médico. Em 2.017, foram 148 casos avaliados – 22 levando à absolvição e 99 a algum tipo de punição (27 na forma de advertência confidencial; 35 censura confidencial; 42 censura pública; 11 suspensão por 30 dias; e 12 cassação).
Especialistas alertam que a grande maioria dessas medidas propostas em face de médicos são movidas em face da obstetrícia e da cirurgia plástica estética. Denunciam que uma das grandes falhas do sistema que contribui para crescimento das ações é a falta de investimento adequado na graduação em Medicina, com a proliferação de faculdades que não investem em qualidade na formação do médico que, muitas vezes, frequenta faculdades que nem sequer possuem hospital escola.
Os conselhos de medicina cumprem um papel muito relevante, pois devem investir em medidas pro ativas que garantam qualidade na formação do médico como, por exemplo, promovendo exames de avaliação para os recém formados. Esses exames, infelizmente, ainda não são realidade uma nacional e nem são obrigatórios.
Há quem acredite que a quantidade assustadora de ações contra médicos e profissionais de saúde deriva de tratamentos de baixa qualidade e prescritos de forma inadequada. Contudo, há quem acredite em banalização da justiça por pacientes e seus familiares.
É preciso avaliar duas questões importantes nesse cenário: o médico e o profissional de saúde, que não estão mais em posição de superioridade perante o paciente, e que participam de relações negociais complexas e difíceis de administrar. De outro lado, temos pacientes e familiares informados, exigentes e com acesso facilitado à justiça.
Estudos de 2016 do Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), afirmam que 829 brasileiros, em média, morreram, por dia, em hospitais, devido a erros e falhas que poderiam ser evitados.
Muitos questionam esses números, pois há, de fato, desentendimento sobre o que é erro médico. São poucos os pacientes e familiares que sabem (ou foram esclarecidos) sobre o que é mau resultado, o que é iatrogenia, o que é resultado adverso previsível. Da avaliação de uma relação médico-paciente desgastada, também é possível se afirmar que existem pacientes e familiares que enfrentam a angustiante necessidade de responsabilizar alguém por um problema de saúde ou um tratamento mal sucedido.
Sabemos que não basta a insatisfação do paciente quanto ao resultado de um tratamento para a responsabilização do médico ou profissional de saúde, já que obrigação desses profissionais é de meio e não de resultado (responsabilidade objetiva).
Ainda assim, são tomadas medidas contra o médico e o profissional de saúde, em um cenário de facilidade do paciente no acesso a informações e documentos médicos, as redes sociais que frequentemente, muitas vezes inadvertidamente, exploram o assunto. Sem falar da anuência do Poder Judiciário que concede gratuidade de justiça à grande maioria dessas ações judiciais.
Diante dessa realidade, é extremamente importante que o médico promova de forma efetiva o gerenciamento dos riscos de sua atividade e, nesse ponto, a documentação médica se mostra de importância primordial. O médico diligente, que conhece bem a documentação médica, permite que a mesma esteja regular para quando se deparar com alguma realidade adversa, já que o ser humano é falível e a sua relação com paciente é imprevisível. A documentação médica irregular contribui consideravelmente para a ocorrência de erros e insucesso no atuar do médico e do profissional da saúde.
É pela documentação médica que se observa, da melhor forma, a comunicação estabelecida entre o profissional e o paciente, já que é dever do profissional orientar as expectativas do paciente e seus familiares quanto ao sucesso e consequências tratamento prescrito, levando em consideração as reais chances de alcance do objetivo técnico/terapêutico. É pela documentação médica que se avaliará, não somente se o profissional atuou com “bom técnica”, ou seja, se agiu com perícia, prudência e esmero, mas também se o paciente recebeu expectativas ilusórias ou se mostrou-se incapaz de aceitar sua condição ou doença.
A documentação médica também comprova a regularidade do atuar do profissional no cumprimento de rotinas legais e éticas. O respeito à autodeterminação do paciente, a seus direitos fundamentais, como forma de garantir a satisfação dos interesses de todos os atores envolvidos na missão de reduzir os erros e os índices de judicialização da saúde e da medicina é medida a ser incentivada e perseguida por todos.
Melissa Areal Pires