O uso de material genético de alguém que já morreu para a geração de filhos depende da expressa e incontestável autorização, por meio de testamento ou instrumento que o valha em formalidade e garantia.

Contrato de preservação de embriões deu à viúva custódia do material
Reprodução

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado pelos filhos de um homem, com o objetivo de impedir que a mulher de seu falecido pai implantasse embriões criados por fertilização in vitro, com o objetivo de engravidar.

O homem, falecido em 2017, se submeteu a técnica de reprodução assistida em 2015 que gerou dois embriões. Estes estão criopreservados pelo Hospital Sírio Libanês, com o qual os genitores assinaram um contrato. O instrumento conferia a um dos cônjuges a custódia do material, em caso da morte de outro.

Por maioria apertada de 3 votos a 2, a 4ª Turma concluiu que esse contrato não é suficiente para manifestar a autorização dada pelo pai para que a mãe implantasse e desenvolvesse os embriões após sua morte.

Prevaleceu o voto divergente do ministro Luís Felipe Salomão, acompanhado pelos ministros Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira. Para eles, a autorização para que a viúva custodiasse o material não permite a implantação. Ela poderá ceder para pesquisa, descartar ou deixar que o tempo o consuma. Para usá-lo para engravidar, seria necessária autorização expressa tratando da hipótese post mortem.

Ficaram vencidos o relator, ministro Marco Buzzi, seguido pela ministra Maria Isabel Gallotti. Eles entendem que a inexistência de previsão legal sobre essa necessidade de autorização específica e a clareza do contrato são suficientes para concluir que a viúva tem a autorização de usar os embriões para o exato objetivo em que foram criados: procriação.

Admitir implantação significará rompimento do testamento que fora, de fato, realizado, segundo o ministro Luís Felipe Salomão
Gustavo Lima/STJ

Testamento
Segundo a linha do voto vencedor, se disposições patrimoniais não dispensam expressa determinação em testamento para que seja autorizadas, maiores são os motivos para que o mesmo seja aplicado a questões existenciais — as quais, inclusive, repercutirão na esfera patrimonial de terceiros.

No caso concreto, o homem que concedeu o material genético para os embriões deixou testamento, em que destina parte da herança para os filhos. Esse documento não trata da possível existência de um novo herdeiro, nem confere autorização para que a viúva assim o faça.

“Admitir-se que autorização posta no contrato, marcado pela inconveniente imprecisão na redação de suas cláusulas, possa equivaler à declaração inequívoca e formal própria às disposições post mortem significará o rompimento do testamento que fora, de fato, realizado, com alteração no planejamento sucessório original”, apontou o ministro Salomão.

Assim, o contrato assinado dá autorização para que a viúva custodie o material genético após a morte do cônjuge, o que não significa autorização para implantação dos embriões.

“De fato, a fecundação artificial, enquanto manifestação do planejamento familiar, é projeto do casal. A decisão pela concepção de filhos é expressão da autonomia pessoal, devendo por isso ser manifestada sem quaisquer sombras”, acrescentou o voto divergente.

Ministro Marco Buzzi destacou que o único objetivo da técnica de fertilização in vitro é a reprodução assistida, com desenvolvimento
Gustavo Lima

Planejamento familiar
Para o ministro Marco Buzzi, relator do recurso, a tese vencedora aparenta contradição, uma vez que não há nenhuma outra finalidade nos atos praticados pelo casal que não o da reprodução assistida. “Inclusive o falecido submeteu-se a delicada cirurgia para obter material afim de gerar os embriões. Isso sim é manifestação de vontade inatacável”, acrescentou.

Assim, entende que o planejamento familiar é patente no caso, diante de todas as medidas concretamente adotadas para esse fim. “A confiança dos embriões ao cônjuge viúvo representa a autorização para continuidade do procedimento, a critério do sobrevivente, sendo inservíveis para outra finalidade que não a implantação para desenvolvimento”, disse.

De fato, a hipótese dos autos não tem expressa previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro. Os dois votos usaram normas que tangenciam o tema (Constituição, Código Civil, lei 9.263/1996) para fazer a interpretação. Para o ministro Marco Buzzi, essa brecha legal age em favor do contrato. Não há previsão expressa que obrigue a autorização expressa para implantação após a morte. Mas há o contrato, que autoriza.

Ao acompanhar o relator, a ministra Isabel Gallotti destacou que a tese vencedora acaba por substituir a manifestação de vontade do falecido pela opção de descarte dos embriões, já que eles devem ser implantados no prazo de até cinco anos.

REsp 1.918.421

Fonte: ConJur

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