Por entender que houve quebra de sigilo profissional, o que configura dano moral, a 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou um hospital a indenizar uma paciente que foi presa em flagrante depois que médicos denunciaram à polícia que ela teria feito um aborto. A reparação foi fixada em R$ 5 mil.
Segundo o relator, desembargador Maurício Fiorito, o fato analisado foi somente a quebra do sigilo profissional, e não a suposta ocorrência de aborto ou a ação da polícia, pois o mérito da prisão não é objeto dos autos e o Estado de São Paulo também não consta no polo passivo da ação.
O desembargador destacou em seu voto que o Código de Ética Médica veda a revelação de informações pessoais de paciente obtidas em virtude do exercício profissional que possam gerar investigações policiais ou expor o paciente a um processo penal.
“A conduta dos representantes da ré, portanto, destoou do dever profissional destes, sendo, portanto, ilícita. Reforça a tese de ilicitude do ato praticado o fato de sequer ser admitido como prova o depoimento de médico em violação do dever de sigilo profissional”, afirmou o relator.
Consta nos autos que a grávida deu entrada no hospital sentindo fortes dores abdominais, febre e taquicardia. Os médicos suspeitaram da ocorrência de aborto e comunicaram o fato à polícia. A autora foi presa em flagrante e solta no dia seguinte por decisão da Justiça.
Opinião, por Nicolle Duque, assitente jurídica da Areal Pires Advogados
É notório que o aborto provocado de maneira insegura é um problema grave de saúde pública no Brasil sendo uma das principais causas de mortalidade em países que existem restrições legais à interrupção da gravidez, além da possibilidade de complicações graves que acarretam até mesmo a infertilidade.
Mulheres que necessitam de internação hospitalar por aborto incompleto esperam apoio, privacidade, confidencialidade e respeito durante seu atendimento, entretanto, não é o que acontece.
São comuns práticas discriminatórias, ameaças de denúncia à polícia, uso de linguagem ríspida e grosseira, negligência médica, além de violação da privacidade e confidencialidade convertendo o cenário do serviço de saúde, que deveria ser acolhedor, em espaço de ameaça para as mulheres.
O Código de Ética Médica dispõe no Capítulo “Sigilo Profissional” :
“É vedado ao médico. Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude de exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único: Permanece essa proibição: … c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal”.
O sigilo é um dos mais importantes pilares da relação médico-paciente e de outros profissionais, o que faz com que as pessoas não temam ocultar fatos significativos para a resolução de seu problema de saúde.
Contrariando o disposto no Código de Ética Médica, os médicos que deveriam impedir a entrada da polícia na intimidade de seus pacientes são, exatamente, os que a convocam à cena de violação ferindo o sigilo entre médico e paciente.
A denúncia viola o dever ético de sigilo de qualquer dos profissionais de saúde, tal prática ilegal fere o princípio constitucional da tutela à intimidade e da dignidade da pessoa, possibilitando que pacientes vítimas da denúncia ilegal possam ser indenizadas pelos danos morais causados.
Fonte: Conjur