Por Melissa Aguiar e Melissa Areal Pires, advogadas da Areal Pires Advogados
Dia 27 de junho de 2020 é lembrado como o Dia Mundial do Diabético. A data foi instituída com finalidade de promover a conscientização da sociedade sobre a doença e as formas de tratamento, visto que a diabetes é popularmente conhecida e atinge 8,9% da população brasileira, de acordo com o Ministério da Saúde.
Muito se ouve, mas nem tanto sabe-se sobre a doença. A diabetes é um transtorno metabólico de etiologias heterogêneas, caracterizado por hiperglicemia e distúrbio no metabolismo de carboidratos, proteínas e gorduras, resultantes de defeitos da secreção e/ou da ação da insulina. É a insulina, hormônio produzido pelo pâncreas, responsável por controlar quantidade de glicose, obtida por meio de todos os alimentos que ingerimos, no sangue.
Devido ao alto custo do tratamento da diabetes tipo um, pacientes suportam inúmeros transtornos e percalços na busca pelo tratamento mais adequado, tanto pelo Sistema Único de Saúde quanto pela assistência privada. Muitos litígios precisam ser judicializados. Em pesquisa jurisprudencial no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 25/06/2020, com as palavras “diabetes cobertura plano de saúde”, foram localizados 124 registros nos últimos 10 anos. Já com as palavras “diabetes cobertura SUS”, foram localizados 11 registros.
O caso mais recente julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro referente a assistência à saúde do diabético, pelo SUS, envolveu controvérsia referente à indicação de medicamento fora da lista do SUS, tendo sido decidido que o paciente tem direito ao tratamento indicado pelo seu médico assistente porque inexistiam provas nos autos de alternativas terapêuticas eficazes a autorizar a substituição pretendida pelo Estado. Veja-se:
“Apelação cível. Obrigação de fazer. Responsabilidade do Estado e do Município quanto ao fornecimento de medicamentos à hipossuficiente que possui Diabetes Mellitus tipo 2. Procedência do pedido. Recurso do Estado do Rio de Janeiro pretendendo a improcedência do pedido ou a substituição dos medicamentos e insumos por outros já incorporados a lista do SUS, bem como a condenação em honorários em favor da Defensoria Pública. Solidariedade dos entes estatais – Dever solidário dos entes estatais na prestação positiva concernente ao direito à saúde (Súmula 65 do TJ/RJ). Ação distribuída em 2016, momento anterior ao julgamento do REsp nº 1.657.156/RJ, não sendo aplicáveis, neste caso, os requisitos fixados pelo STJ. Inexistência de prova de alternativas terapêuticas a autorizar a substituição pretendida pelo Estado. Indicação terapêutica do medicamento comprovada conforme receituário médico. Além disso, os artigos 19-m, i, 19-p, 19-q e 19r, da lei 8.080/90, que não inviabilizam a assistência por medicamento orientado pelo médico da paciente. Correto o arbitramento de multa, ferramenta coercitiva a fim de que a ordem judicial seja cumprida. Município que é isento de custas, mas deve efetuar o recolhimento da taxa judiciária, conforme disposto no Enunciado nº 42 do FETJ e a Súmula 145 desta Corte, o que se reconhece de ofício. Superação da tese da confusão patrimonial. Mudança de entendimento pelo STJ. SUM 421 STJ e SUM 80 TJRJ superadas. Condenação do Estado em honorários advocatícios em favor do CEJUR. Por se tratar de condenação ilíquida em face da Fazenda Pública, a sentença comporta reparo, de ofício, para que o percentual de honorários de sucumbência seja fixado após a liquidação do julgado, nos termos do art.85, §4º, II, do Código de Processo Civil de 2015. Conhecimento e não provimento do recurso. Reparo, de ofício, da sentença quanto ao pagamento da taxa judiciária e ao percentual de honorários.
(0001441-03.2016.8.19.0082 – APELAÇÃO CÍVEL – Des(a). JDS RICARDO ALBERTO PEREIRA – Julgamento: 17/06/2020 – VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)
Já o caso mais recente referente à assistência médica privada envolveu controvérsia referente a exclusão de cobertura de tratamento a paciente, portador de diabetes com quadro infeccioso, além de outras patologias, que teve indicação de tratamento coadjuvante em câmara hiperbárica, negado pelo plano de saúde sob a justificativa de que o referido procedimento não constava no rol da ANS. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL INTERPOSTO POR UNIMED RIO CONTRA DECISÃO QUE EM AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER AJUIZADA PELO ORA AGRAVADO (MARLEY), DEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA PARA COMPELIR A UNIMED A ARCAR E DISPONIBILIZAR O TRATAMENTO DO AUTOR EM CÂMARA HIPERBÁRICA, ARCANDO COM TODOS OS CUSTOS DAS CONSULTAS E EXAMES, INCLUINDO DIÁRIAS HOSPITALARES, CENTRO CIRÚRGICO, UTI, CONFORME PRESCRIÇÃO MÉDICA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 3.000,00. INCONFORMADA, A UNIMED AGRAVA. ALEGA QUE: 1) A NEGATIVA DE COBERTURA À TERAPIA HIPERBÁRICA (CÂMARA HIPERBÁRICA) FOI FEITA EM EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO (ARTIGO 188, I, DO CÓDIGO CIVIL), EIS QUE SE TRATA DE TERAPIA NÃO CONSTANTE DO ROL DE PROCEDIMENTOS INSTITUÍDO PELA ANS; 2) QUE A CONTRAPRESTAÇÃO, PAGA PELO AUTOR, É CORRESPONDENTE AOS PROCEDIMENTOS ABRANGIDOS PELA CONTRATAÇÃO; 3) QUE A REFERIDA RESTRIÇÃO NÃO PODE SER TIDA COMO ABUSIVA OU ILEGAL. REQUER A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL PARA INDEFERIR A TUTELA DE URGÊNCIA E, NO MÉRITO, A REFORMA DA DECISÃO. NÃO ASSISTE RAZÃO À UNIMED. AUTOR QUE É BENEFICIÁRIO DO PLANO DE SAÚDE ADMINISTRADO PELA ORA AGRAVANTE, HÁ 23 ANOS, E É PORTADOR DE DOENÇA GRAVÍSSIMA (DIABETES COM QUADRO INFECCIOSO), RAZÃO PELA QUAL FAZ JUS AO TRATAMENTO PLEITEADO. HÁ NOS AUTOS ELEMENTOS QUE INDICAM QUE O PROCEDIMENTO REQUERIDO É DE URGÊNCIA DIANTE DA AGRESSIVIDADE DO QUADRO DA DIABETES DO AUTOR TAL QUAL INFORMADO NO RELATÓRIO MÉDICO, QUE INDICA O TRATAMENTO EM CÂMARA HIPERBÁRICA COMO TERAPIA COADJUVANTE, JUNTAMENTE COM OS DEMAIS PROCEDIMENTOS, QUE JÁ VÊM SENDO ADOTADOS, EIS QUE TAMBÉM É PACIENTE PSIQUIÁTRICO. COM EFEITO, AS SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA E URGÊNCIA ESTÃO SUJEITAS À COBERTURA OBRIGATÓRIA, SENDO QUE, NO PRESENTE CASO, AS PROVAS ACOSTADAS AOS AUTOS, ESPECIALMENTE O RELATÓRIO MÉDICO, COMPROVA A GRAVIDADE DO ESTADO DE SAÚDE DO AUTOR O QUE IMPLICA NA SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA EM QUE SE ENCONTRAVA O AGRAVADO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 210, 211 E 340 DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO SENTIDO DE QUE A COBERTURA OU NÃO PELO PLANO DE SAÚDE DIZ RESPEITO ÀS DOENÇAS E NÃO AO TIPO DE TRATAMENTO QUE DEVE SER AQUELE INDICADO PELO MÉDICO QUE ATENDE O PACIENTE. NEGATIVA DE PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA (ARTIGO 932, IV, DO CPC/15)
(0002469-19.2020.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – Des(a). JUAREZ FERNANDES FOLHES – Julgamento: 04/03/2020 – DÉCIMA CÂMARA CÍVEL
A lei 9.656/1998, marco na regulamentação da saúde suplementar no Brasil, trouxe inovações especificamente com relação ao regramento da cobertura para doenças preexistentes, inovando nas futuras relações de pacientes com seus planos de saúde.
Exercendo seu poder normativo, conferido pela lei 9.961/00, a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar editou a resolução normativa RN nº 162/2007, com o objetivo de estabelecer a obrigatoriedade da Carta de Orientação ao Beneficiário; dispor sobre Doenças ou Lesões Preexistentes (DLP); Cobertura Parcial Temporária (CPT); Declaração de Saúde e sobre o processo administrativo para comprovação do conhecimento prévio de DLP pelo beneficiário de plano privado de assistência à saúde.
Desse modo, a ANS passou a regulamentar a forma de acesso ao plano de saúde, não somente para a pessoa com diabetes, mas também para qualquer outra que fosse portadora de doenças preexistentes. As operadoras de planos de saúde não mais poderiam negar a contratação de assistência à saúde privada sob a justificativa de que o consumidor seria portador de alguma doença ou transtorno.
Referidas empresas também foram obrigadas a ofertar ao consumidor/paciente, ao portador de doença preexistente com intenção de contratar assistência médica privada, a escolha entre cumprir os 2 anos da “Cobertura parcial temporária” para as referidas doenças (art. 11) ou pagar o “agravo de contrato”, para se eximir do cumprimento da CPT, conforme previsão expressa no inciso III do art. 2 da RN 167/2007.
Por fim, conclui-se que a cobertura parcial temporária é, portanto, restrição da cobertura da assistência médica contratada, aplicável àqueles que são portadores de doenças preexistentes no momento da contratação do plano de saúde. Essa limitação pode se manter por um período de até 24 meses, a partir da assinatura ou adesão contratual ao plano, na forma do disposto no art. 11 da lei 9.656/98.
Já a cobertura da assistência médica contratada, mediante o pagamento de “agravo de contrato”, é constituída por um acréscimo no valor da mensalidade do plano de saúde. O objetivo é que o contratante, ainda que numa condição preexistente declarada (como diabetes), possa dispor da cobertura integral do plano contratado.