A Defensoria Pública não possui legitimidade para propor ação civil pública em favor de consumidores de plano de saúde que sofreram reajustes em seus contratos em razão da mudança de faixa etária, porque não se trata de pessoas carentes. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso de uma empresa de plano de saúde contra a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.
A Defensoria ajuizou ação coletiva contra o plano de saúde por causa dos aumentos – que considerou abusivos – nos contratos de pessoas idosas. O juízo de primeira instância determinou que a empresa não reajustasse os contratos dos segurados com idade acima de 60 anos.
Confirmando a sentença, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou que é função institucional da Defensoria Pública patrocinar direitos e interesses do consumidor lesado. Dessa forma, para o tribunal gaúcho, nada impede que a Defensoria utilize os instrumentos de tutela coletiva para o adequado exercício de suas funções institucionais.
Finalidade constitucional
Inconformada, a empresa interpôs recurso especial no STJ. Sustentou que a legitimidade da Defensoria para propor ação civil pública deveria se ater à sua finalidade constitucional: a defesa dos necessitados. Afirmou que seus segurados são economicamente viáveis e não podem ser considerados necessitados a ponto de terem seus interesses patrocinados pela instituição pública.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, reconheceu que o STJ possui precedentes que ampliam o campo da legitimação ativa da Defensoria Pública, considerando-a apta para propor ações coletivas cujo resultado abranja não somente a parcela de hipossuficientes, mas também a defesa do consumidor, conforme prevê o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal.
Entretanto, Salomão explicou que cabe à Defensoria Pública, nos termos do artigo 134 da CF, a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, sendo vocacionada a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que “comprovarem insuficiência de recursos”, conforme o artigo 5°, inciso LXXIV.
Limitador
De acordo com o ministro, sob o aspecto subjetivo, a Constituição estabelece um limitador aos poderes da Defensoria Pública: a defesa dos necessitados. Essa limitação, afirmou, restringe a legitimidade ativa a ações que visam à tutela de pessoas comprovadamente necessitadas. Destacou ainda que esse é o entendimento doutrinário sobre o assunto.
Salomão disse que, segundo já sedimentado pelo STJ em precedentes como o REsp 912.849, a Defensoria Pública possui legitimidade para a tutela de interesses metaindividuais.
Naquele precedente, foi definido que a Defensoria é legítima para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que avaliam a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
No mesmo sentido foi julgado o REsp 1.275.620, em que a Segunda Turma entendeu que a Defensoria possui legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes.
Só para necessitados
Salomão reafirmou que a Defensoria Pública está apta a ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Em relação aos difusos, “sua legitimidade será ampla”, explicou. “Basta que possa beneficiar grupo de pessoas necessitadas, haja vista que o direito tutelado é pertencente a pessoas indeterminadas, e mesmo que indiretamente venham a ser alcançadas pessoas que tenham suficiência de recursos, isso, por si só, não irá elidir tal legitimação”, acrescentou.
Contudo, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, “a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas”, esclareceu Salomão.
Esta notícia se refere ao processo: REsp 1192577