Agência deve fazer nova audiência pública sobre o tema
RIO – A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspendeu nesta segunda-feira a resolução que alterava as regras de cobrança de exames e consultas médicas em planos de coparticipação e franquia. A norma havia sido aprovada em junho e previa que operadoras cobrassem dos segurados até 40% do valor referente aos procedimentos. A medida foi criticada por especialistas e órgãos de defesa do consumidor. Agora, com o texto revogado, voltam a valer as regras atuais, que não preveem qualquer limite para cobrança de coparticipação.
A decisão foi tomada por unanimidade durante a reunião da diretoria colegiada da autarquia. A ideia foi proposta pelo diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, Rodrigo Aguiar. Ele ponderou que o objetivo da nova norma era “ampliar as proteções ao consumidor e promover maior bem-estar na sociedade”, mas admitiu que houve uma “desconexão” entre os objetivos do órgão e a recepção da sociedade. As regras que regem a administração pública permitem que órgãos revejam decisões de acordo com “conveniência e oportunidade”.
— A ANS deve, portanto, ser sensível à apreensão que se instalou na sociedade, revendo-se o ato de aprovação da norma para reabrir o debate sobre o tema e, assim, captar mais adequadamente os anseios e receios dos usuários do sistema, por intermédio de uma maior articulação com as principais entidades públicas e privadas da sociedade civil, bem como buscando formas de interagir diretamente com o consumidor — disse Aguiar, ao ler seu voto, acompanhado por outros dois diretores na reunião.
Há duas semanas, Aguiar disse, em entrevista ao GLOBO, que a ANS não reveria a decisão, a menos em caso de determinação da Justiça. No voto desta segunda, o diretor frisou que a norma foi elaborada com base em estudos técnicos.
— Enfatiza-se ainda que a citada norma foi elaborada com base nos estudos e trabalhos realizados por servidores públicos concursados, especializados na regulação do setor de saúde suplementar, e aprovada por uma diretoria colegiada composta exclusivamente por servidores públicos, todos com muitos anos de experiência na própria ANS — afirmou.
A ANS confirmou em nota a decisão. “A ANS informa, ainda, que se reunirá com as principais instituições públicas que se manifestaram sobre a matéria, com o objetivo de ouvir suas sugestões para a construção de um entendimento uniforme sobre o assunto.”
A Resolução Normativa 433 entraria em vigor no fim de dezembro, mas estava suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A OAB Nacional entrou com uma arguição no Tribunal sobre a competência da agência para editar a medida. A presidente do STF, ministra Carmém Lúcia, decidiu liminarmente pela suspensão da resolução.
A norma estabelecia o limite de 40% sobre o pagamento de valores de procedimento a título de franquia e coparticipação, além de teto mensal e anual para o quanto os consumidores poderiam gastar a mais, o que poderia chegar ao valor de mais uma mensalidade por mês.
Rafael Robba, advogado especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, entende que a revogação é uma resposta às críticas que a ANS recebeu ao anunciar a RN 433.
– Revogar essa resolução não retira o assunto da agenda da ANS. A regulamentação de franquia e coparticipação é uma demanda antiga das operadoras. Entendo que a ANS vai ampliar o debate, mas certamente voltará a ser objeto de uma nova regulamentação. É importante que a sociedade, e os órgãos de defesa do consumidor acompanhem e participem dos debates para que uma nova regulamentação não traga situações abusivas como essa, que poderia chegar à cobrança de até 40% do valor dos procedimentos – ressalta.
Os diretores destacaram a importância de manter o processo, aproveitando os estudos elaborados até agora, para dar continuidade à decisão. Os caminhoes possíveis são a manutenção da atual Concu 8, a elaboração de um novo mecanismo ou até mesmo a aprovação da RN 433.
Especialistas: decisão mostra que assunto precisa ser mais debatido
A reolução vinha sendo duramente criticada por entidades de defesa do consumidor que consideravam o percentual de copartipação e o teto de contribuição mensal altos, com capacidade de restringir o uso dos planos de saúde.
Para o presidente da OAB Nacional, Claudio Lamachia, a decisão da ANS é uma “vitória da sociedade”:
— A decisão demonstra que a agência percebeu que esse é um assunto que precisa ser mais debatido, e que a sociedade está atenta a assuntos dessa magnitude relacionados aos planos de saúde. É uma vitória da sociedade, um exemplo que deveria ser seguido por outras agências — disse Lamachia, se referindo a cobrança para despacho autorizada pela Anac, também questionada judicialmente pela OAB Nacional.
A advogada Maria Stella Gregori, ex-diretora da ANS, comemorou a decisão da diretoria:
— A iniciativa da ANS reabrir o debate é louvável. Será muito importante que revisitem o tema levando em consideraçao as contribuiçoes de todos, especialmente dos órgãos de defesa e proteção dos consumidores.
A advogada Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), avaliou a decisão como uma vitória dos consumidores:
— A ANS está diante de uma grave crise de legitimidade. Ela percebeu que se continuar normatizando para beneficiar apenas os interesses das empresas, sua razão de ser se esgota. A revogação da RN 433 de franquia e coparticipação é, nesse sentido, uma vitória não só dos consumidores, mas da sociedade como um todo.
Na avaliação da Federação Nacional da Saúde Suplementar (FenaSaúde) que reúne 17 grupos que somam 40% da receita do setor, a decisão da ANS abrirá uma nova “oportunidade para que todos possam oferecer contribuições que promovam maior acesso da população aos planos de saúde e reduzam, de maneira efetiva, as despesas das mensalidades para as famílias e empresas.”
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) ressalta, por sua vez, que a revogação da Resolução Normativa nº 433, “não muda em nada a prestação de serviços das operadoras de planos de saúde”, já que a nova norma só entraria em vigor no fim de mês de dezembro. A entidade acrescenta que as operadoras continuarão estudando o que foi proposto na resolução revogada, por avaliar que ” parte desse normativo, que iria trazer benefícios ao consumidor com modernização, clareza e previsibilidade de gastos, poderá compor eventual RN a ser publicada futuramente.”
Fonte: O Globo