Por Daiane Aragão, advogada da Areal Pires Advogados
Os efeitos da crise econômica ocasionada pela pandemia da Covid-19 têm reverberado em diversos negócios jurídicos pactuados antes da sua ocorrência, forçando as partes a buscar novas maneiras de lidar com a situação e mitigar os prejuízos.
Muito tem se discutido acerca dos contratos de locação de imóveis, tanto residenciais quanto comerciais, sobre os impactos e prejuízos que podem ser ocasionados pela crise econômica.
É certo que, nesta espécie contratual, o fiador é uma figura de suma importância, pois se trata da pessoa que se responsabilizará pelo pela obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra, conforme estabelece o art. 818 do Código Civil de 2002.
Neste caso, o fiador figura no contrato assumindo as obrigações que foram pactuadas naquele instrumento. Não deve ser responsabilizado por obrigações contraídas posteriormente, resultantes de aditamento que não anuiu. É o que estabelece a Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça: “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.
A razão de ser da súmula está no fato de que o fiador não pode ser responsabilizado por uma obrigação maior que aquela com a qual ele expressamente concordou.
Nesse sentido, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento do MC 024373, esclareceu que a “interpretação das normas que disciplinam a presente garantia há de confortar a impossibilidade de o fiador responder por acréscimos decorrentes de acordo entre locador e locatário a que não tenha anuído, fazendo superar a obrigação afiançada”.
Este entendimento firmado na Súmula é muito anterior à ocorrência dos contratos que tem sido discutidos e repactuados atualmente em razão da pandemia, prevendo prorrogação de prazo de pagamento, ou seja, a moratória.
Com a instauração da pandemia e consequentemente da crise econômica, muitas renegociações têm se pautado na moratória da dívida, com um desconto temporário do valor da prestação mensal, para pagamento do valor correspondente ao desconto concedido em momento posterior.
Assim, o que se questiona é se no caso de uma renegociação de contrato, que visa estabelecer novas datas para pagamento ou desconto temporário dos valores avençados, há necessidade de anuência do fiador.
Levando em conta que, neste caso não há que se falar em novação, ou seja, não é contraída nova obrigação, apenas um ajuste na forma de cumprimento da obrigação já existente, pode-se afirmar que não há majoração da garantia prestada, de modo que não se faz necessária a anuência do fiador na celebração do aditamento.
Sendo assim, se a renegociação não aumentou de forma alguma a responsabilidade já anuída pelo fiador, não há razões para se exigir a sua concordância expressa, sendo inaplicável o entendimento da Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça nessas hipóteses.
A exigência da anuência expressa do fiador nesta situação, além de proteger de forma exacerbada o garantidor, significaria impor obstáculos desnecessários à renegociação, a qual, entretanto, faz-se tão importante no momento de crise.
Embora a fiança deva ser analisada sempre de forma restritiva, na forma dos artigos 114 e 819, ambos do Código Civil de 2002, em momentos delicados como o que a sociedade vem passando atualmente, se faz necessária a análise cautelosa da situação, de forma a trazer a solução mais célere e menos custosa para os envolvidos.