Não é novidade que hodiernamente vivemos em uma sociedade de consumo, marcada por um consumismo supérfluo e desenfreado, na maioria das vezes induzido pelas grandes empresas por meio de diversas técnicas. Nesse sentido, a publicidade vem ganhando cada vez mais força como meio de induzir e seduzir o consumidor a comprar algo que ele muitas vezes não necessita.
Nesse cenário, por ser um público facilmente persuadido, as crianças se tornam um alvo muito visado pelas empresas. O Conselho Federal de Psicologia afirma que “além da menor experiência de vida e de menor acúmulo de conhecimentos, a criança ainda não possui a sofisticação intelectual para abstrair as leis (físicas e sociais) que regem esse mundo, para avaliar criticamente os discursos que outros fazem a seu respeito”. Soma-se a isso o fato de que, muitas vezes, os pais acabam cedendo à pressão dos filhos para comprar um brinquedo (que depois muito provavelmente será deixado de lado), ou determinado alimento que não vai fazer bem para sua saúde.
A deslealdade na publicidade lançada ao público infantil é latente. Utilização de desenhos que cativem a simpatia das crianças, uso de linguagem própria do universo infantil, venda casada de “brindes” etc., compõem o arcabouço de práticas empresariais que deixam os pais reféns do mercado, pois, no frigir dos ovos, seu bolso é o fim almejado pelas empresas.
Com efeito, entende-se que este tipo de publicidade direcionada ao público infantil é ilegal, pois abusiva, na medida em que se aproveita da deficiência de julgamento da criança, ou seja, de sua vulnerabilidade, para fornecer a ela produtos e serviços, prática proibida pelo artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor.
Foi com esse pensamento que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, de forma unânime, no último dia 10 de março de 2016, proibir a publicidade de alimentos destinada às crianças. A problemática é mais grave quando envolve padrões de consumo alimentares não saudáveis, que era exatamente o caso julgado pelo Corte Superior. Em discussão, estava a campanha da Bauducco “É Hora de Shrek”. Com ela, os relógios de pulso com a imagem do ogro Shrek e de outros personagens do desenho poderiam ser adquiridos. No entanto, para comprá-los, era preciso apresentar cinco embalagens dos produtos “Gulosos”, além de pagar R$ 5,00. Concluiu o STJ que a prática da empresa era ilegal na medida em que simulava estar dando um presente pra criança na aquisição de um produto quando, na verdade, estava condicionando o fornecimento de um produto a outro, prática muito conhecida nas relações de consumo como “venda casada” e considerada ilegal à luz do art. 39, inciso I do Código de Defesa do Consumidor.
O ministro Herman Benjamim, que participou do julgamento e é considerado uma autoridade em Direito do Consumidor, obtemperou no seguinte sentido:
“O julgamento de hoje é histórico e serve para toda a indústria alimentícia. O STJ está dizendo: acabou e ponto final. Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais. E nenhuma empresa comercial e nem mesmo outras que não tenham interesse comercial direto, têm o direito constitucional ou legal assegurado de tolher a autoridade e bom senso dos pais. Este acórdão recoloca a autoridade nos pais.”
O ministro Mauro Campbell, por seu turno, fez questão de ressaltar que o acórdão irá consignar a proteção da criança como prioridade, e não o aspecto econômico do caso. Lembrou, ainda, que o Brasil é o único país que tem em sua Carta Magna (art. 227) dispositivo que garante prioridade absoluta às necessidades das crianças, em todas as suas formas. Há que se lembrar também que a OMS (Organização Mundial da Saúde) já se pronunciou pela necessidade da regulação da publicidade de alimentos e, em 2012, a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) publicou recomendações para a regulação da publicidade de alimentos não-saudáveis direcionada às crianças.
Portanto, não faltam normas e princípios sobre o assunto, em nível nacional e internacional. O que falta é a aplicação, na prática, pelos governos, dessas normas e princípios em suas políticas públicas. A publicidade direcionada ao público infantil deve ser altamente regulada pelo Estado, na medida em que esse público é considerado, juntamente com os idosos e os doentes, hipervulnerável, uma vez que não possui condições de avaliar os interesses envolvidos nesta publicidade a ele direcionada.