O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou recentemente o Recurso Especial n.º 1.540.580/DF. Esta decisão histórica influenciará de forma significativa a partir de agora uma das relações humanas mais antigas: médico e paciente.
É comum a crença de que o médico — detentor do conhecimento técnico —, no desempenho de suas atividades, pode lançar mão de tudo o que entender ser nos melhores interesses do paciente.
Contudo, a decisão tomada pelo STJ não fechou os olhos à evolução na relação médico-paciente e à irreversível mitigação do paternalismo.
A decisão reconhece que o paciente tem “capacidade de se autogovernar, de fazer opções e de agir segundo suas próprias deliberações”.
O relator para o acórdão, Ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu em seu voto que no caso dos autos, estava configurado o dano e o dever de indenizar em vista da “violação da autodeterminação do paciente que não pôde escolher livremente submeter-se ou não ao risco previsível”.
Desse modo, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, e na garantia constitucional de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF art. 5.º, II), o STJ reconhece que quem deve estabelecer os limites da atuação do médico é o paciente. Isso dá fundamento à necessidade de o médico agir apenas quando obtiver o consentimento expresso do paciente.
Nas palavras do Ministro Salomão: “o que se procura garantir é o estabelecimento de uma relação de negociação, na qual o médico compartilha os seus conhecimentos técnicos e garante ao paciente a tomada de decisões a partir de seus próprios valores, no exercício de sua autonomia.”
Além disso, a decisão do STJ cita o valor jurídico da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, da UNESCO:
Artigo 5.º Autonomia e responsabilidade individual A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respectiva responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada.
No caso das pessoas incapazes de exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.
Artigo 6.º Consentimento
1. Qualquer intervenção médica de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação adequada. Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo.
Essa relevante decisão do STJ deve ser a toada dos atos médicos de agora em diante: em regra, para que o ato médico seja legítimo, deverá ser fruto da informação prestada ao paciente, e decidida por ele, paciente. Essa conduta garante a atuação médica juridicamente válida.
Por outro lado, é sempre importante pontuar que pesquisas jurisprudenciais não apontam risco de condenações de médicos que atuam segundo o consentimento do paciente, ainda que o resultado final seja adverso.
A própria jurisprudência do Conselho Federal de Medicina tem reconhecido que é ético da parte do médico respeitar a autonomia do paciente, mesmo quando a decisão do paciente lhe acarrete prejuízos pessoais.
Isso confere segurança à classe médica, uma vez que não se pode responsabilizar o médico pelas decisões tomadas pelo próprio paciente, tanto no campo ético, quanto no civil ou penal.
Opinião, por Carolina Asfora, colaboradora da Areal Pires Advogados
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça condenou médico e hospital à repararem os danos causados ao paciente, ora autor, no que tange ao desrespeito à sua autonomia de vontade.
Sabe-se que a relação entre o profissional da medicina e o indivíduo enfermo sempre se mostrou um tanto quanto conturbada, tendo em vista os limites de atuação impostos perante a liberdade de escolha daquele que será submetido à intervenção médica.
A crença de que o detentor do conhecimento técnico pode agir da maneira que entender ser mais benéfica ao paciente não merece prosperar, uma vez que este tem capacidade de se autodeterminar e optar pelo o que considera melhor para si.
Dessa forma, quem deve estabelecer os limites da atuação do médico é o próprio paciente, que só poderá ser exposto à qualquer procedimento se, expressamente, consentir com aquela conduta, momento pelo qual o ato medicinal será legítimo e juridicamente válido.
Por fim, importante ressaltar que como consequência ao posicionamento destacado acima, o médico não será responsabilizado pelas decisões tomadas pelo paciente, tanto no campo ético, quanto no civil e penal, garantindo assim segurança ao profissional.
Fonte: JusBrasil