Por Filipe de Tarso, advogado da Areal Pires Advogados
Em 25 de Junho de 2019, Superior Tribunal de Justiça publicou acordão (com julgamento datado de 08 de Maio e 2019) pacificando o entendimento sobre o controvertido Tema 970 da Demandas Repetitivas, o qual tratava, em seu cerne, sobre a possibilidade de cumulação dos pedidos de indenização por lucros cessantes com a cobrança da multa estabelecida em cláusula penal moratória quando da hipótese de inadimplemento por atraso na entrega de imóvel em construção objeto de Contrato ou Promessa de Compra e Venda.
Assim, com intuito de simplificar a discussão realizada pela Egrégia Corte Superior – a qual irá afetar 4.186 processos atualmente em trânsitos e servirá com precedente para ações futuras – cumpre a necessidade de tecer algumas palavras sobre esta importante temática.
Em uma definição simplificada, pode-se definir como lucros cessantes como sendo o benefício econômico que a parte lesada efetivamente deixou de ganhar por causa do evento danoso, em outras palavras, tudo aquilo que o indivíduo deixou razoavelmente de lucrar.
De forma prática, se o Comprador pretendia obter o imóvel, em construção, com objetivo de ter residência própria para, desta forma, deixar de pagar aluguel ou desejava alugá-lo para auferir uma renda extra, os lucros cessantes são caracterizados tanto no dispêndio de renda para manter a locação ou a verba que deixou de auferir por se ver impedido de realização a locação da unidade imobiliária.
Por outro lado, as Cláusulas Penais Moratórias são aquelas normalmente previstas nos Contratos ou Promessas de Compra e Venda que dispõe sobre o pagamento de uma sanção pecuniária (multa) em caso de atraso no cumprimento da obrigação possível e útil – ou seja aquela que possa existir eventual interesse de que seja cumprida.
Desta maneira, no caso específico do Tema 970 do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), a cláusula penal moratória discutida é aquela referente ao atraso, de parte das Construtoras, na entrega do imóvel adquirido.
Os Lucros Cessantes possuem previsão legal de existência no art. 402 do Código Civil de 2002, enquanto as Cláusulas Penais são discutidas nos art. 409 e seguintes do mesmo Códex Civilista.
O Ministro Relator Luis Felipe Salomão, em seu voto – o qual restou vencedor por maioria – proferiu entendimento pugnando pela impossibilidade de cumulação destes pedidos quando do inadimplemento das Incorporadoras em entregar a unidade imobiliária, conforme ficou exposto na tese firmada:
“A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes”
O douto Ministro Relator proferiu parecer no sentido de que a Cláusula Penal Moratória estabelecida em contrato tem o condão de prefixar determinado valor a título de indenização por inadimplemento relativo (quando se mostrar útil o adimplemento, ainda que tardio; isto é, defeituoso), recebendo, assim, a denominação de cláusula penal moratória.
Dispõe o Ministro em seu voto:
Dessarte, o estabelecimento da prefixação da multa no próprio contrato atende aos interesses de ambas as partes, incluindo o do devedor em mora, na medida em que inequivocamente propicia segurança jurídica às partes ao dispensar a prova do dano, muitas vezes onerosa e difícil, podendo levar até mesmo a litígios que devem ser dirimidos por juiz ou árbitro.
Com efeito, a interpretação dos arts. 389, 394 e 487 do CC deixa nítido que, não cumprida a obrigação no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer, a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir, se ainda lhe for útil, o cumprimento da obrigação principal, indenização por perdas e danos, mais juros de mora, atualização monetária e, se necessário o ajuizamento de ação, honorários advocatícios.
Percebe-se, portanto, que o provimento jurisdicional – externado pelo Relator Luis Felipe Salomão – posicionou-se de forma a entender que a função originária e essencial da Cláusula Penal Moratória seria, justamente, buscar, de um lado, coibir o atraso na entrega do Imóvel e, caso o adimplemento de fato ocorra, teria a função de reparar os danos suportados pelo Comprador.
Contudo, faz a ressalva, conforme observa-se na tese firmada, que a Cláusula Penal capaz de ser tomada como equivalente dos Lucros Cessantes – e desta forma agindo como impeditiva à cumulação destes pedidos – é aquela estabelecida mês a mês, ou seja como “equivalente locativo”, fazendo importante, novamente, observar o voto proferido:
Deveras, embora o mais usual seja previsão de incidência de multa por mês de atraso, é inegável que há casos em que a previsão contratual de multa limita-se a um único montante ou percentual para o período de mora (por exemplo, multa de 2% do preço do imóvel, atualizado pelos mesmos índices contratuais), que pode ser insuficiente à reparação integral do dano (lucros cessantes) daquele que apenas aderiu ao contrato, como orienta o princípio da reparação integral (art. 944 do CC) e os arts. 389, 395 e 403 do CC.
Entendeu-se que, na ocorrência de Multa Moratória Mensal, sua cumulação com o eventual pedido de Lucros Cessantes seria hipótese de dupla penalização da Incorporadora por um mesmo fato, o que, para além de possuir expressa vedação na Legislação infraconstitucional pátria, acarretaria o enriquecimento sem causa do Comprador, ato igualmente desautorizado pelo ordenamento jurídico.
Define o entendimento jurisdicional que cabe ao Magistrado o dever de “modificar equitativamente, até mesmo de ofício, a cláusula penal avençada, para manter a indenização na extensão do dano verificado, caso em que a obrigação principal tenha se cumprido em parte, ou, que o montante da penalidade se mostrasse manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio”.
Isto posto, cumpre, agora, aos Advogados dos Compradores – ao ajuizar futuras ações cuja causa de pedir seja fundamenta na mora/atraso de imóvel em construção – analisar, de forma criteriosa, as Cláusulas Contratuais avençadas e verificar se as eventuais Cláusulas Penais Moratórias possuem o condão indenizatória de reparar eventuais danos similares a capacidade locatícia, ajustando, caso necessários, os pedidos processuais de forma que estes se adequem corretamente ao vulto econômico do Contrato ou Promessa de Compra e Venda.