Pesquisador aponta contradição: minoria isolada, que defende assistência no SUS, opta por planos privados.
Melhorar sistema exige sair dessas “bolhas”
NÃO ESQUEÇAMOS OS PLANOS
Numa entrevista muito boa ao Observatório de Análise Política em Saúde, o professor da USP Mario Scheffer diz que, embora o momento atual seja especialmente positivo para os planos de saúde, a conjuntura política nunca foi ruim para eles e nunca houve de fato uma frente de resistência contra os seus avanços: a mobilização é restrita e ficaram de fora do debate os trabalhadores e sindicatos, inclusive no funcionalismo público, os gestores e conselhos de saúde e mesmo parte do movimento sanitário.
Ele traz algumas provocações importantes. “É bom tocar em nossas contradições. Muitos de nós, sanitaristas, na hora da assistência médica e hospitalar, pouco usamos o SUS; para nós mesmos e nossos familiares preferimos planos privados. Temos experiências ruins como usuários do privado, temos dificuldade de agendar consultas (pagamos, então, particular) e de pagar as mensalidades, como o resto da população que tem planos. Recentemente, me deparei com o material de propaganda do FioSaúde, o plano privado da Fiocruz, que passou a vender um plano mais barato chamado Total Saúde (o público-alvo devem ser os trabalhadores menos remunerados). Esse material menciona, com depoimentos de colegas pesquisadores, os méritos de ter um plano privado de atenção primária”.
E mais: “Retomemos a pergunta tradicional, que forjou nosso campo: quais são as especificidades de um sistema de saúde em um país capitalista como o Brasil? O SUS não é um fenômeno extra-mercado ou extra-capitalismo. Não é possível seguir nesse ritmo de resistir, falhar ao governar o SUS, resistir de novo. Disputar o hegemonismo em bolhas pode até saciar desejos emocionais, mas quem fracassou e desviou-se no governar dificilmente triunfará sozinho no resistir. Como uma minoria isolada, é o que somos, se transforma em uma voz e em uma demanda unificada pelo SUS?”
Para ler a entrevista na íntegra: https://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/documentos/noticias/entrevista-ago2019-marioscheffer-final/
Opinião, por Fabíola Cunha, advogada da Areal Pires Advogados:
O caminhar do SUS: passado, presente e futuro
Nesses 519 anos de “descobrimento” do Brasil, a saúde pública passou por transições.
Até o momento da Chegada da Família Real em 1808, os médicos eram formados fora do país, e o acesso a saúde era só para os que podiam pagar. Depois de 1808 é que os médicos começaram a ser formados no Brasil, aprendendo mais sobre as doenças tropicais.
Nesse período existem no Brasil as Santas Casas, que trabalhavam com a ideia de Caridade e vinculação religiosa.
Dom Pedro II começou a política de higienização populacional, que afastou os doentes e a população mais pobre dos grandes centros, e esta população começou a ocupar regiões mais remotas e afastadas. Com isso, quem morava nos grandes centros tinha mais acesso à saúde, enquanto os outros não.
No início do século XX as questões epidemiológicas começaram a assolar o Brasil, e ações voltadas a vacinação se alastraram pelo país, o que culminou até na Revolta da Vacina.
Mas até este momento, o acesso à saúde ainda era bem precário, quase curandeiro e, como sempre, só quem tinha acesso a população que podia pagar pelos profissionais de saúde. Foi então que na década de 1920 existiu o que chamamos de Caixas de Aposentadoria e Pensão, que eram acordos entre empregados e empregadores que faziam com que esse empregado tivesse acesso a algum tipo de benefício previdenciário e de saúde. E quem tinha acesso a essas questões de saúde eram só os trabalhadores, ou seja a força de trabalho.
Com isso enalteceu as desigualdades de saúde, pois quem não tinha trabalho só tinha acesso à saúde através das Santas Casas e estas, por sua vez, começam a não dar conta de todos aqueles que precisavam de cuidados médicos.
Apenas em 1943 foi instituída a CLT que trouxe alguns direitos ligados à saúde, mas sempre ligados aqueles que eram a força produtiva.
Durante o período militar, a saúde começou a piorar e foi criado o INPS, com isso, só que tinha carteira assinada podia ser atendido nos serviços de saúde pública. Todos os outros ficavam excluídos.
E, após anos de descontentamentos, alguns movimentos sociais, alguns partidos políticos e também pesquisadores de algumas Universidades, nos anos 80 tivemos a reforma sanitária que ajudou a formalizar o SUS. Nesse momento a saúde começa a ser olhada com um conceito mais amplo, com um viés mais social e não unicamente biológico.
Finalmente, no ano de 1988 a Constituição Federal trouxe uma seção própria para tratar da Saúde, e temos o famoso artigo 196 com o seguinte ensinamento: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Posteriormente, temos a Lei 8080 de 1990 que trouxe os princípios do SUS e a Lei 8.142 de 1990 que trouxe o financiamento do SUS e participação da população perante as políticas de saúde do SUS.
Hoje o SUS não foca apenas no diagnóstico e cura, mas também na promoção de saúde e prevenção de doenças.
Todavia impende destacar algumas contradições. Os próprios funcionários do SUS, na hora da assistência médica e hospitalar, pouco usam esse sistema; preferindo planos privados.
Mas como alinhar um sistema de saúde público em um país capitalista como o Brasil?
Em relação ao fim das deduções de despesas com saúde no Imposto de Renda, o atual governo veio com a ideia de criar um teto para a dedução, tendo como argumento de que existe um benefício excessivo a famílias de alta renda, que usam medicina particular e não usam o SUS. E ainda acrescentou que o grosso da população usa o SUS e não tem nenhuma dedução.
A atenção básica de saúde é um negócio ainda muito atrativo economicamente e as empresas de plano de saúde e laboratórios cresceram mesmo em meio a crise econômica.
Como verifica-se, o Sistema Único de Saúde passa por um momento de crise devido a historicidade da sua má gestão, e o atual cenário é desolador e o futuro é incerto.
Fonte: Outras Palavras