Foi por causa de um caso de câncer na família que o consultor em desenvolvimento humano Tom Almeida descobriu a importância dos cuidados paliativos. Quatro anos atrás, um primo muito próximo, Eduardo, descobriu um câncer incurável no fígado. Durante o tratamento, que tinha o objetivo de controlar a doença, o primo sofria com dores e desconfortos intensos.
Cuidados paliativos são um conjunto de ações que envolvem diversas especialidades ligadas à saúde para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares no enfrentamento de doenças que oferecem risco de vida, de acordo com definição da OMS (Organização Mundial da Saúde). Ao conhecê-los, Almeida conseguiu ajudar o primo a encaminhar seu tratamento.
A partir daí, o enfermo pôde receber medicamentos contra a dor e conseguiu se preparar –junto com a família — para sua morte. “Digo que, a partir desse momento, eu virei um ativista da boa morte. Sou hoje um ‘paliativista’. A experiência com a morte mudou completamente para mim”, diz Almeida, que hoje coordena o movimento inFinito, que tem por objetivo falar e diminuir o tabu sobre a morte, além de disseminar conhecimento sobre os cuidados paliativos.
Cuidados paliativos são reconhecidos pelo SUS Embora não seja algo novo, esse tipo de cuidado tem ganhado visibilidade e força. No fim de 2018, foi aprovada a Resolução sobre Política Nacional de Cuidados Paliativos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Normatizada no SUS, a aprovação impulsiona a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) a discutir e reconhecer práticas de cuidados paliativos no rol de procedimentos cobertos por planos de saúdes particulares. Esses cuidados envolvem médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e até advogados, que, de acordo com a necessidade e vontade de cada paciente, deverão agir para que a qualidade de vida dele seja a melhor possível.
Ainda assim, a maioria das pessoas, inclusive as que sofrem de doenças graves, não sabe o que são cuidados paliativos e nem quem tem direito a eles. Mas saiba que o acesso a cuidados paliativos é um direito humano, reconhecido pela 67ª Assembleia Mundial de Saúde realizada em 2014, em Genebra, na Suíça. Portanto, é um direito de qualquer pessoa.
6 medidas de cuidados paliativos para conhecer:
Atendimento psicológico: o diagnóstico de uma doença mexe não só com o corpo físico, mas com a mente da pessoa e de sua rede de apoio. O acompanhamento psicológico ajuda no tratamento;
Testamento vital: é uma declaração que a pessoa doente faz de tudo o que deseja que aconteça com ela ainda em vida. Por exemplo, se permite ser submetida a determinado tratamento, como quer ser tratada em caso de dor e se quer que seus sinais vitais sejam mantidos por aparelhos ou ser ressuscitada. Essas decisões são importantes para ter a própria vontade respeitada, mas também para os familiares. Assim, eles não precisam escolher pela pessoa quando ela estiver inconsciente e sem poder de decisão. Um dilema e sofrimento a menos para todos.
Desmistificar a morfina: apesar de ser um medicamento bastante eficaz para dor, a morfina, por vezes, é vista como uma vilã e causa medo em quem pode utilizá-la para se sentir melhor. É verdade que o uso excessivo de morfina pode levar ao vício. Mas, em alguns casos, não há nem tempo hábil para que esse vício ocorra e a melhora da qualidade de vida, com o combate à dor, costuma ter um custo-benefício bem maior.
Desejos: iniciar conversas com a pessoa doente sobre as coisas que ela tem vontade de fazer ainda em vida é muito importante. Pode ser que ela queira visitar um lugar novo, voltar a algum especial, comer alguma coisa gostosa. Se for possível para as condições físicas dela, é um ganho em tempo de qualidade.
Conversar sobre a hora da morte: falar sobre as sensações que a morte causa e sobre o que paciente e familiares imaginam que acontece é outro ponto essencial. Verbalizar é poderoso para preparar a mente de todos e também para amenizar a apreensão. Por outro lado, é importante falar também sobre a vida. O que a pessoa fez, como vê sua trajetória, como gostaria de ser lembrada, qual o seu legado, alguma mensagem que deseja passar para as próximas gerações.
Demanda de fé: médicos dizem que pacientes com doenças em estágio já avançado sentem necessidade de entrar em contato com seu lado mais espiritual, sejam eles religiosos praticantes ou não. Quem faz esse atendimento nos hospitais é o capelão, que ajuda a direcionar as ações conforme a religião e os ritos de cada pessoa.
Alívio do sofrimento em qualquer situação Por ser reconhecidamente uma doença que requer tratamentos agressivos, o câncer em estágios terminais é a primeira enfermidade que vem a cabeça, quando o assunto é cuidado paliativos. No entanto, essas medidas podem se aplicar a muitas outras situações.
“O tratamento de uma neoplasia (tumor benigno ou maligno) pode trazer sofrimentos físicos, psicológicos e sociais que precisarão de ‘paliação’ durante o processo de cura. Doenças neurodegenerativas progressivas, em geral, não oferecem risco de morte iminente. Porém, pacientes e familiares terão que conviver com perdas difíceis durante anos. Um exemplo típico são as demências como o Alzheimer”, explica a médica paliativista Milena Reis, da equipe do Hospital Santa Paula (SP) e membro da diretoria da ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos).
Ainda de acordo com ela, é comum acharem que cuidados e tratamentos paliativos são apenas para quem já está próximo da morte e quando não há mais nada a fazer. “A associação entre a fase final de vida e cuidados paliativos é comum, porém precisamos ampliar essa visão. A abordagem paliativista visa o alívio do sofrimento. E mesmo em doenças com perspectiva de cura, há muito sofrimento”, finaliza Reis.
Fonte: UOL