Melissa Areal Pires
Hoje o mundo festeja o Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia.
A data comemorativa da luta por direitos humanos e pela diversidade sexual, contra a violência e o preconceito, é lembrada desde 1990 quando a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças.
Segundo fontes que estudam o assunto, o Brasil é o país que mais mata LGBT’s no mundo. Neste cenário, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, marcou para o próximo dia 23 de maio de 20198 a retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, proposta pelo PPS, e do Mandado de Injunção 4.733, que defendem a criminalização da homofobia.
A análise da ação foi suspensa em 21 de fevereiro de 2019, quando quatro ministros já haviam votado a favor da equiparação da homofobia ao crime de racismo: Edson Fachin, Celso de Mello, Alexandre de Moraes e Roberto Barroso.
“Os homossexuais, os transgêneros e demais integrantes do grupo LGBT têm a prerrogativa, como pessoas livres e iguais em dignidade e direitos, de receber a igual proteção das leis e do sistema político-jurídico instituído pela Constituição”, declarou em seu voto o ministro Celso de Mello, relator da ação.
Edson Fachin, também relator, afirmou que todos têm direito de viver em uma sociedade sem preconceito e de serem protegidos contra a discriminação. “Para termos dignidade com respeito a diferenças é preciso assentar que a sexualidade possui caráter inerente à dignidade humana”, argumentou. Ele citou o artigo 5º da Constituição, que determina a edição de lei penal contra quaisquer formas de discriminação que atinge direitos e liberdades fundamentais.
Alexandre de Moraes lembrou que o comportamento padrão do Congresso é aplicar sanções penais à condutas discriminatórias, protegendo direitos fundamentais, mas que este comportamento não foi observado nas questões referentes à homofobia e à transfobia. Moraes disse que o Congresso sempre protegeu, via legislação penal, grupos sociais vulneráveis, como crianças e adolescentes, idosos, portadores de deficiência, mulheres e consumidores. “No entanto, apesar de dezenas de projetos de lei, só a discriminação homofóbica e transfóbica permanece sem nenhum tipo de aprovação. O único caso em que o próprio Congresso não seguiu o seu padrão”, afirmou o ministro. Moraes defende que o STF não deve fixar prazo para o Congresso legislar sobre o tema.
Barroso defende a legitimidade do STF para agir no caso, haja vista a omissão do Congresso. O ministro destaca a necessidade de aplicar punições à discriminação contra orientação sexual da mesma que se faz em relação à discriminação religiosa, de raça ou contra deficiente, como forma de combate à uma realidade assustadora no país, que registra “número bastante expressivo” de denúncias contra a comunidade LGBT e observou que é preciso. “A homofobia é claramente atentatória aos direitos e as liberdades fundamentais”, afirmou Barroso. O ministro disse ainda que enquanto sexo é uma questão biológica, “gênero é questão de percepção do individuo e orientação sexual é um fato da vida, não uma escolha”.
Atualmente, na legislação penal brasileira, a homofobia e a transfobia, ao contrário de outros tipos de preconceito, como por cor, raça, religião e procedência nacional, não possuem amparo protetivo.
Duas ações judiciais movidas pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e o Partido Popular Socialista (PPS), em 2012 e 2013, respectivamente defendem a alteração da legislação e sustentam uma das principais reivindicações de militantes LGBT no país, qual seja, a aplicação do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que dispõe que qualquer “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” deve ser punida criminalmente.
Considerando a omissão do Congresso ao não legislar sobre a homofobia e a transfobia, as ações judiciais pedem também que o STF fixe um prazo para que seja criada a lei e que, caso este prazo não seja cumprido, o próprio tribunal superior regulamente temporariamente a questão até que o Congresso definitivamente criminalize esse preconceito.
O direito penal existe para defender a sociedade e também minorias e grupos sociais vulneráveis”, afirma o advogado Paulo Iotti, representante do PPS e da ABGLT nas ações judiciais. “Por isso, criminaliza o racismo e coíbe a violência contra a mulher, mas o Código Penal não é suficiente hoje para proteger a população LGBT.”
O advogado sustenta que o STF considerou o antissemitismo um tipo de racismo, definido como “toda ideologia que prega a superioridade/inferioridade de um grupo relativamente a outro” em um julgamento de 2003, e pede que o mesmo agora seja aplicado à homofobia e à transfobia.
“Queremos igual proteção penal. Se você criminaliza alguns tipos de opressão e não outras, passa uma ideia sinistra de que são menos relevantes. Não se pode hierarquizar opressões.”
O ministro Celso de Mello, relator de uma das ações sustenta que o fato do Congresso não ter legislado sobre o tema é uma “evidente inércia e omissão”.
Mello lembrou um ponto bastante controvertido entre especialistas, que seria o fato de que o conceito de racismo deve se aplicar à discriminação contra grupos sociais minoritários e não só contra a negros. Ele destacou ainda que o racismo é um crime inafiançável e imprescritível segundo o texto constitucional. Por estas razões, chegou a propor que não fosse fixado um prazo para o Congresso editar uma lei sobre o tema, como objetivam os autores das ações judiciais, mas que, enquanto perdurasse a omissão dos parlamentares, a homofobia e a transfobia devesse ser enquadrada na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).
O ministro Edson Fachin, um dos relatores, concordou com Melo, defendendo haver uma “gritante ofensa a um sentido mínimo de justiça” provocada pela “omissão legislativa”. “Nenhuma instituição pode deixar de cumprir integralmente a Constituição, que não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe”, disse Fachin em seu voto.
A Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA, na sigla em inglês), que reúne mais de 1,3 mil grupos de defesa de direitos LGBT, realizou estudos que comprovam que 43 países – ou 23% dos Estados-membros da ONU – já têm legislações contra crimes de ódio motivados pela orientação sexual da vítima, que estabelecem crimes específicos ou consideram o motivo um agravante para elevar penas de crimes comuns. Em 39 países, há leis que punem discursos que incitam o ódio contra a população LGBT.
Legislações de 14 Estados e do Distrito Federal e de 2 Municípios (Fortaleza e Recife) que preveem sanções civis, como multas e perdas de licenças, possibilitaram ao Brasil ser incluído na lista. Mesmo assim, persiste a necessidade de haver uma legislação federal sobre o tema. “Se isso se dá apenas no nível local, diferentes níveis de proteção podem coexistir dependendo da jurisdição. Uma lei federal cria um padrão nacional, e todos os juízes do país seriam obrigados a segui-lo”, diz Lucas Mendos, pesquisador da ILGA e coautor da 12ª edição do estudo Homofobia Patrocinada pelo Estado, que traça um panorama de leis sobre o tema no mundo.
Crimes motivados por homofobia e transfobia têm dois efeitos, segundo o Lucas Mendos. “Há a agressão à vítima em si, mas também enviam uma mensagem perturbadora para outras pessoas nesta mesma condição. Estes crimes precisam de leis especiais ou previsão de penas maiores para refletir sua gravidade e mostrar que esse tipo de ódio não é tolerado pelo Estado.”
A AGU defende que o comando constitucional é pela aplicação de punições, não de criminalização bem como que não há omissão do Congresso, sendo esperado que o STF respeite o princípio da separação dos Poderes e não legisle sobre o tema, haja vista que esta competência é exclusive do Congresso
Devemos estar atentos a este julgamento no próximo dia 23 de maio de 2019. A realidade brasileira é de uma pessoa assassinada a cada 16 horas por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Ao menos 8.027 lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI) foram mortos em crimes de ódio motivados por homofobia entre 1963 e 2018, de acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB). A criminalização da homofobia é um dos caminhos para mudar essas estatísticas.
Por Melissa Areal Pires, advogada e sócia da Areal Pires Advogados