A Amil, líder no mercado de planos de saúde no país, com quase 4 milhões de beneficiários, descredenciará a partir de 21 de junho uma série de hospitais. Entre eles, há unidades da Rede D’Or São Luiz, o maior grupo hospitalar privado, que inaugura uma nova unidade de luxo em São Paulo no próximo dia 15.
Os clientes começaram a receber comunicados no fim da semana passada, onde a operadora, sem citar a quantidade ou o nome dos hospitais, diz que “não foi possível chegar a um acordo com alguns hospitais e tomamos a decisão de substituí-los”.
Claudio Lottenberg, presidente do UnitedHealth Group, multinacional controladora da Amil, afirma que tem debatido com os hospitais novos modelos de remuneração, adotados hoje por quase um terço da rede credenciada da Amil, e enfrentado resistência de alguns.
Evita, porém, o enfrentamento direto com a Rede D’Or e diz que o número de hospitais descredenciados ainda está sendo fechado. “Chama a atenção hospitais que, além de não quererem esse diálogo, têm indicadores de performance que não são aqueles que a gente esperaria de acordo com a literatura, por exemplo, taxa de internação em UTI acima da média, e ainda insistindo que a melhor mecânica é o ‘fee for service’ [pagamento por serviço]”, diz ele.
Segundo Lottenberg, os beneficiários não serão prejudicados e continuarão com “acesso a uma rede de hospitais que praticam medicina baseada em evidência com foco nos melhores resultados de saúde”.
O Copa D’Or, que inaugurou em 2016 a linha de luxo da rede, nunca atendeu clientes da Amil e o grupo suspenderá o atendimento a outros planos da operadora partir a de 21 de junho. O Vila Nova Star tampouco foi credenciado pela Amil.
Diz que “sempre se manteve aberta ao diálogo com todas as operadoras, tendo como prioridade buscar as melhores opções em prol do setor e do paciente”.Afirma ainda que a rede é comprometida com a qualidade do cuidado ao paciente e conta com médicos de referência nacional e internacional, além da melhor infraestrutura e equipamentos.
“A RDSL trabalha pela sustentabilidade setorial, adotando as melhores práticas de gestão e trabalhando com novos modelos de remuneração. Reitera que busca evoluir com setor sem abrir mão de ter foco na qualidade assistencial prestada ao paciente em primeiro lugar.”
Confira, abaixo, trechos da entrevista.
PERGUNTA – A Amil tem descredenciado hospitais da Rede D’Or. O que está acontecendo?
CLAUDIO LOTTENBERG – Não há uma política de descredenciamento. A Amil, desde que eu assumi, está buscando uma proposta de valor diferente das outras operadoras. Estamos investindo em medicina primária e estabelecemos uma linha de diálogo com os corpos clínicos. Os hospitais não são entidades estáticas, não são supermercados. Há pacientes que entram e médicos que devem coordenar o cuidado. A gente tem feito isso por meio de métricas. Não se faz isso olhando o consumo de dinheiro. Com alguns hospitais, não são só esses [da rede D’Or] que estão nesse processo, a gente tem debatido uma migração para um modelo de pagamento baseado em medicina de valor. Praticamente 30% da rede credenciada já migrou.
P. – E como tem sido a reação?
CL – O mundo está caminhando nessa direção, assim como alguns hospitais grandes, como o Einstein e o Sírio. Chama a atenção hospitais que, além de não quererem esse diálogo, têm indicadores de performance que não são aqueles que a gente esperaria de acordo com a literatura, por exemplo, com taxa de internação em UTI acima da média, e ainda insistindo que a melhor mecânica é o ‘fee for service’ [pagamento por serviço].
P. – É o caso da Rede D’Or?
CL – Não são só eles. Existem alguns hospitais assim. A gente tem conversado e pressionado por modelos de práticas que sejam melhores. Ninguém quer deixar de pagar sinistros, atender paciente. Mas quando você vê que a tendência de custo é mais elevada em determinados hospitais, a gente quer entender o motivo disso e migrar para o que o mundo está fazendo, questionando. Não dá para uma [cirurgia de] apendicite variar de R$ 10 mil a R$ 45 mil. Tem alguma coisa errada. Estamos começando a questionar. Mudar um padrão cultural é muito mais difícil. Quando você pressiona com dinheiro, a reação é mais incômoda. Infelizmente alguns estão abertos a diálogos, outros não. Aqueles que não estão, não dá para a gente trabalhar. As pessoas esperam que a gente administre um sistema de saúde. A gente quer medicina por valor. Com algumas organizações, isso está indo, outras ainda não entenderam. Mas vamos deixar claro que é isso que a sociedade espera. O que não pode é a inflação médica continuar do tamanho que está e ficarem achando que é culpa da operadora. A culpa não é da Amil. Se 60% dos custos acontecem nos hospitais, e a medicina está se desospitalizando e numa época em que houve retração da economia a gente percebe que alguns hospitais aumentaram os custos, alguma coisa está errada.
P. – Mas existe uma briga específica com a Rede D’Or?
CL – É uma briga por uma prática, não é contra uma rede ou um hospital. É o que a sociedade brasileira espera. A nossa missão é melhorar um sistema de saúde.
P. – Isso deve inspirar outras operadoras?
CL – Tenho certeza disso. O número de pessoas que estão me escrevendo, mandando mensagens, [cumprimentando por] alguém ter tido coragem de fazer isso. Não dá para continuar o que temos visto há anos. Inflação oficial de 6% e inflação da saúde 15%. Aí você tem retração da economia, cai emprego, o custo da saúde continua subindo.
P. – Alguém está focando no ‘outcome’, no desfecho?
CL – Não. Estão focando no bolso. Tem gripe, leva para a UTI. Estou fazendo um desabafo que a sociedade está querendo fazer. Tenho certeza de que isso vai mudar o sistema de saúde brasileiro.
P. – Como o sr. avalia a chegada a São Paulo do Vila Nova Star, o novo hospital da Rede D’Or, voltado ao público A, que chega para competir com o Einstein e o Sírio?
CL – Vamos torcer para fazerem bem feito. O público A não está preocupado em ter hotelaria bonita e muito aparelho. Até o publico A está reclamando de custo. O público A não é um público idiota, ele está cada vez mais engajado. Eu acho ótimo que São Paulo tenha hospitais bons. O público A já é atendido em ótimos hospitais. As pessoas não procuram um hospital por hotelaria, por alta tecnologia, procuram por processo, por uma clínica assistencial diferenciada. Se a mentalidade for a vinda de um hospital que quer trabalhar de forma ordenada, dentro de políticas de qualidade que é não hotelaria somente, mas uma prática assistencial com rigor e com qualidade e custo adequado, ganha São Paulo, ganha o Brasil. Caso contrário, não é fato. Você quer um hospital bonito ou um hospital que lhe dê segurança? Os hospitais que eu dirijo trabalham com centros de excelência, todos estão organizando suas práticas. Para se chegar num Einstein e num Sírio, se trabalhou muito.
Fonte: Folha de São Paulo