Pela advogada Melissa Areal Pires, advogada da Areal Pires Advogados, em 24/4/2019. Muitos usuários de planos de saúde que não possuem a cobertura odontológica não conseguem obrigar a operadora a custear tratamentos prescritos por profissionais da Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Os planos de saúde sustentam que há necessidade de ter esta cobertura odontológica no contrato para que as despesas com Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial sejam cobertas pelo plano de saúde.
Tal argumento não pode prosperar. Segundo o Conselho Regional de Odontologia do Estado de São Paulo1, a Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial é a especialidade que tem como objetivo o diagnóstico e o tratamento cirúrgico e coadjuvante das doenças, traumatismos, be anomalias congênitas e adquiridas do aparelho mastigatório e anexos, e estruturas crânio-faciais associadas. As áreas de competência para atuação do especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial incluem: • implantes, enxertos, transplantes e reimplantes; • biópsias; • cirurgia com finalidade protética; • cirurgia com finalidade ortodôntica; • cirurgia ortognática; e, diagnóstico e tratamento cirúrgico de cistos; afecções radiculares e perirradiculares; doenças das glândulas salivares; doenças da articulação têmporomandibular; lesões de origem traumática na área bucomaxilofacial; malformações congênitas ou adquiridas dos maxilares e da mandíbula; tumores benignos da cavidade bucal; tumores malignos da cavidade bucal, quando o especialista deverá atuar integrado em equipe de oncologista; e, de distúrbio neurológico, com manifestação maxilofacial, em colaboração com neurologista ou neurocirurgião..
Os problemas enfrentados pelos usuários são frequentes. Há caso de paciente diagnosticado com osteomielite de mandíbula, necessitando de intervenção cirúrgica de emergência, cujas despesas hospitalares não tiveram a cobertura pelo plano de saúde, que sustentou que o procedimento realizado foi exclusivamente odontológico, sendo certo que o usuário não tinha contratado a cobertura odontológica; tinha apenas as coberturas hospitalar e ambulatorial, as quais não lhe garantiriam a cobertura das despesas do tratamento.
Cumpre destacar que a realização de cirurgia buco-maxilo-facial encontra-se entre o rol de procedimentos com cobertura obrigatória, previstos pela Súmula Normativa n. 11, da Agência Nacional de Saúde, senão veja-se:
“1. A solicitação dos exames laboratoriais/complementares previstos no art. 12, inciso I, alínea b, da Lei n° 9.656, de 1998, e dos procedimentos abrangidos pelas internações hospitalares, de natureza buco-maxilo-facial ou por imperativo clínico, dispostos no art. 12, inciso II, da mesma lei, e no art. 7º, parágrafo único da Resolução CONSU nº 10, de 1998, devem ser cobertos pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, mesmo quando promovidos pelo cirurgião-dentista assistente, habilitado pelos respectivos conselhos de classe, desde que restritos à finalidade de natureza odontológica;
2. A solicitação das internações hospitalares e dos exames laboratoriais/complementares, requisitados pelo cirurgião-dentista, devidamente registrado nos respectivos conselhos de classe, devem ser cobertos pelas operadoras, sendo vedado negar autorização para realização de procedimento, exclusivamente, em razão do profissional solicitante não pertencer à rede própria, credenciada ou referenciada da operadora;
3. A solicitação de internação, com base no art. 12, inciso II da Lei n° 9.656, de 1998, decorrente de situações clínicas e cirúrgicas de interesse comum à medicina e à odontologia deve ser autorizada mesmo quando solicitada pelo cirurgião-dentista, desde que a equipe cirúrgica seja chefiada por médico.
4. A cobertura dos procedimentos de natureza odontológica se dará respeitando o rol de procedimentos da ANS, contemplando todas as doenças que compõem a Classificação Internacional de Doenças – CID – da Organização Mundial de Saúde e, também, a segmentação contratada entre as partes.” (grifo nosso) Destaca-se que o art. 12, II, a, da Lei n° 9.656/98, prevê a obrigatoriedade de cobertura de internações hospitalares, a saber: “(…) Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas: (…) II – quando incluir internação hospitalar: (…) a) cobertura de internações hospitalares, vedada a limitação de prazo, valor máximo e quantidade, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, admitindo-se a exclusão dos procedimentos obstétricos;(…)”
A Resolução Normativa n° 428/2017, da Agência Nacional de Saúde, por sua vez, em seu art. 22, possui previsão expressa quanto à obrigatoriedade de cobertura do tratamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, ainda que em sede de plano de saúde que possua somente cobertura hospitalar, senão veja-se: “Art. 22. O Plano Hospitalar compreende os atendimentos realizados em todas as modalidades de internação hospitalar e os atendimentos caracterizados como de urgência e emergência, conforme resolução específica vigente, não incluindo atendimentos ambulatoriais para fins de diagnóstico, terapia ou recuperação, ressalvado o disposto no inciso X deste artigo, observadas as seguintes exigências: (…) VIII – cobertura dos procedimentos cirúrgicos buco-maxilo-faciais listados nos Anexos desta RN, para a segmentação hospitalar, conforme disposto no art. 5°, incluindo a solicitação de exames complementares e o fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões, assistência de enfermagem, alimentação, órteses, próteses e demais materiais ligados ao ato cirúrgico utilizados durante o período de internação hospitalar; IX – cobertura da estrutura hospitalar necessária à realização dos procedimentos odontológicos passíveis de realização ambulatorial, mas que por imperativo clínico necessitem de internação hospitalar, com equipe de saúde necessária à complexidade do caso, incluindo exames complementares e o fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões, assistência de enfermagem e alimentação utilizados durante o período de internação hospitalar; e (…)”
Assim, com base na Súmula Normativa nº 11/2007 da ANS, na Resolução Normativa n° 428/2017 da ANS e no art. 12, II, a, da Lei n° 9.656/98, a solicitação de internação decorrente de situações clínicas e cirúrgicas de interesse comum à medicina e à odontologia deve ser autorizada, mesmo quando solicitada por cirurgião-dentista, não sendo lícito ao plano de saude sustentar que somente os usuários que contrataram cobertura odontológica teriam direito à essa assistência.
Importante destacar que é abusiva cláusula em contrato de plano de saúde que limita a responsabilidade da operadora para excluir o custeio de meios necessários ao melhor tratamento da doença, na forma do verbete sumular n. 340, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis: “Nº. 340 “Ainda que admitida a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor, revela se abusiva a que exclui o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento da doença coberta pelo plano.” Neste sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça se pronunciou, no REsp 183719/SP, de relatoria do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 18/09/2008, no sentido de que “a exclusão de cobertura de determinado procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade básica do contrato.” Assim, mostra-se abusiva a recusa do plano de saúde em cobrir as despesas do tratamento, haja vista a disposição expressa em norma específica regulamentar, sendo certo que não se trata de procedimento puramente odontológico, mas hipótese de especial cobertura do plano hospitalar.