Muito se tem discutido, atualmente, nos tribunais brasileiros, sobre a legalidade da rescisão unilateral de contratos coletivos por parte da operadora de saúde, que invoca, em seu benefício, a aplicação de cláusula contratual que lhe confere esse direito, após o envio de uma simples notificação prévia. No entanto, o direito da operadora de rescindir o contrato coletivo livremente não é absoluto e encontra um grande obstáculo: a existência de beneficiários que estejam em tratamentos médicos no momento da rescisão contratual, situação que exige da operadora de saúde um comportamento que respeite o Código de Defesa do Consumidor e a lei 9.656/98.

O contrato de assistência médica, seja ele coletivo ou individual/familiar, deve ser analisado conforme as regras do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Por essa razão, um dos princípios ao qual especialmente esse tipo de contrato está submetido é o
da conservação, aplicado a pactos de longa duração. Cláudia Lima Marques destaca que contratos de assistência médica são “contratos de cooperação”, que “com o avançar da idade do consumidor, com o repetir de contribuições ao sistema e com o criar de expectativas legítimas de transferência de riscos futuros de saúde, os consumidores só têm a perder saindo de um plano. Assim, por exemplo, passados mais de 15 anos de convivência e cooperação contratual, rescindir o contrato ou terminar a relação contratual seria altamente negativo para os consumidores. Há o dever de boa-fé de cooperar para a manutenção do vínculo e para a realização das expectativas legítimas dos consumidores”.

O princípio da conservação do contrato também foi observado pela lei 9.656/98, em seu artigo 13, ao estabelecer que o contrato de plano de saúde “têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação”.

Muito embora há quem entenda que o artigo 13 da Lei 9.656/98 somente se aplique a contratos individuais, as decisões judiciais mais atuais tendem a estender o benefício disposto em tal artigo também para os contratos coletivos. Até porque, ao final das contas, o beneficiário final de um contrato coletivo é um consumidor, pessoa física, não podendo haver distinção de qualquer natureza, sob pena de ferimento a princípios constitucionais.

Não se exige que, indefinidamente, a operadora de saúde seja obrigada a manter  relação contratual com quem não mais lhe interesse, em respeito ao princípio da liberdade de contratar. Ocorre que a liberdade de contratar deve ser mitigada pela aplicação da função social do contrato e, por essa razão, em caso de interesse da operadora de saúde na rescisão do contratual, deve ser oferecido aos beneficiários do contrato que dependam da assistência médica a possibilidade de assinarem contrato individual.

A preocupação de não deixar desamparados os beneficiários de contratos coletivos rescindidos pela operadora de saúde pode ser constatada na legislação especial sobre a matéria. Os artigos 30 e 31 da Lei 9.656/98, por exemplo, prevêem duas possibilidades de manutenção do vínculo com a operadora de saúde: o caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa e o caso do aposentado.

Por analogia, esses artigos também podem ser aplicados ao caso de rescisão unilateral por parte da operadora de saúde, em atendimento ao princípio protetivo que motivou o legislador a redigir os artigos, evitando que se coloque em risco a vida dos beneficiários.

Há ainda que se destacar a Resolução n. 19 do CONSU, que obriga as operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, a disponibilizarem plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência.

Por essas razões, merece ser reputada como abusiva, à luz do Código de Defesa do Consumidor e da Lei 9.656/98, a cláusula contratual que confere à operadora de saúde o direito de rescindir unilateralmente o pacto, sem dar opção de continuidade ao segurado que se encontra em tratamento médico, pois o coloca em situação de instabilidade e insegurança, exigindo do mesmo vantagem manifestamente excessiva. O vínculo pode ser extinto com relação à empresa estipulante, mas deve ser perpetuado para cada

consumidor, que indiretamente está envolvido na relação contratual estabelecida, e tem o direito de permanecer como beneficiário individual, mantendo integralmente as condições contratuais já concretizada, bem como as carências já cumpridas.

 

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