A realização de mastectomia em homem transexual não pode ser considerada procedimento meramente estético, principalmente, quando houver indicação médica. Com esta fundamentação, a juíza Deborah Lopes, da 2ª Vara Cível Foro Regional de Penha de França, na Zona Leste de São Paulo, determinou que a Notre Dame Intermédica Saúde realize a cirurgia em paciente conveniado. A operação deve ocorrer na rede credenciada da ré, à escolha da parte autora, sob pena de multa diária.
“O procedimento cirúrgico em questão não trata de procedimento estético, mas sim um desdobramento do tratamento de mudança de sexo iniciado pelo paciente, conforme relatório psicológico, segundo o qual a parte autora faz acompanhamento psiquiátrico desde 23 de outubro de 2015, desejando iniciar transição de gênero, sendo-lhe indicada a cirurgia mastectomia em 12 de novembro de 2020, conforme prescrição médica”. A observação é da magistrada, que julgou a ação parcialmente procedente.
O autor da ação foi representado pela advogada Bruna Cristina Santana de Andrade. Além da condenação do plano de saúde à obrigação de fazer, eles também pleitearam indenização por dano moral, porque o convênio teria negado indevidamente cobertura à cirurgia, conforme a petição inicial. Este pedido, no entanto, foi julgado improcedente, porque o paciente não comprovou a solicitação de liberação da cirurgia e, consequentemente, não ficou demonstrada a alegada omissão ilegal.
Em relação à operação, a juíza reconheceu comprovada a “indicação médica para a realização da cirurgia de mastectomia masculinizadora e a parte ré, citada, não impugnou de forma específica o mérito do pedido de cobertura”. A juíza acrescentou que o plano de saúde não comprovou a exclusão contratual do procedimento solicitado, salientando ser conduta abusiva eventual limitação na cobertura, pois configuraria “exagerada restrição a direito fundamental inerente à própria natureza do contrato”.
Esta abusividade na limitação contratual, que torna “nulas de pleno direito” as cláusulas restritivas, está prevista no artigo 51, inciso II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). A juíza também citou o artigo 4°, caput, e incisos I, III, IV, referente aos princípios que regem a Política Nacional das Relações de Consumo, cujos objetivos são atender o respeito à dignidade, saúde e segurança dos consumidores, além de proteger os seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida, entre outros.
Advogada e autor
“A liberação da mastectomia é um direito assegurado há anos às pessoas transgêneras e o que verificamos, na condução diárias de processos como esses, é uma constante negativa dos planos de saúde. A sentença traz avanços, mas ainda deixa a desejar na falta de condenação por danos morais, porque os planos impõem um sofrimento desnecessário à população trans, ao negar uma cirurgia de extrema relevância”, disse a advogada Bruna Andrade.
“A disforia com o gênero e o corpo de nascimento perseguem o autor desde o seu nascimento, situação que o faz submeter-se a constrangimentos pessoais e psicológicos, tendo em vista ter sido concebido em um gênero e um corpo nos quais o seu cérebro não identifica como verdadeiros”, explicou a advogada. Segundo ela, para adequar o seu corpo ao sexo masculino, o autor se submete a procedimentos endocrinológicos e psicoterapêuticos.
Com 34 anos de idade, o autor já alterou seus documentos para o nome social que adotou. Ele disse que é “contraditória” a alegação do plano de que a mastectomia para seu o caso é um procedimento estético. “Se fosse só estético, eu ia no centro estético. Mas convênio é saúde, então se me é dado esse direito como todo cidadão, eu quero ter esse direito porque estou cuidando da minha saúde, mental e física. Já está mais do que comprovado que cirurgias retificadoras de gênero são uma questão de saúde e não estética”.
1008449-77.2021.8.26.0006
Fonte: ConJur