Há quatro anos, o nome do segurança José Ribeiro (nome fictício), de 39 anos, foi parar no cadastro de inadimplentes por um erro bancário. Após ligar mais de 50 vezes para a central de atendimento ao cliente da financeira e não conseguir solucionar o problema, ele resolveu buscar a Justiça. Somente no mês passado saiu o acordo com o banco, e ele recebeu indenização de R$ 8 mil pela falha.
Ribeiro ilustra um problema comum aos consumidores brasileiros: não conseguir resolver problemas nos Serviços de Atendimento ao Consumidor (SAC) das empresas, apesar da legislação (o decreto federal 6.523 de 2008, conhecido como a Lei do SAC) determinar que a solução ocorra em cinco dias úteis após o registro da queixa.
Diante da ineficiência das centrais de atendimento, as reclamações dos consumidores aos Procons crescem a cada ano. Só no estado de São Paulo, o número de atendimentos feitos pela Fundação Procon-SP quase triplicou de 2000 a 2011: de 285 mil para 727 mil no ano passado. O estado concentra a maior parte das operações de call center no país – 60% das operadoras estão no Sudeste e, na região, 60% estão em São Paulo.
Desses atendimentos do Procon, o número de queixas que geraram processo administrativo após não ter ocorrido acordo inicial com a empresa (reclamações fundamentadas) também saltou: de 9,3 mil em 2000 para 33,4 mil em 2011 – em todo o país, no ano passado, foram 153 mil reclamações fundamentadas nos Procons, contra mais de 19 mil fornecedores.
Além do aumento do mercado de consumo no país, o que gera acréscimo proporcional de reclamações, o diretor de fiscalização do Procon-SP, Marcio Marcucci, avalia que o consumidor também está mais consciente. “Ele está reclamando mais. O consumidor é o trabalhador. Ele sabe que trabalha o mês inteiro (…) e, se compra um produto que não funciona, quer o dinheiro de volta. Se é cobrado por uma conta indevida, reclama para ter a restituição”, diz.
Foi o que fez o segurança Ribeiro. A cobrança indevida no cartão de crédito ocorreu após uma compra em uma loja de materiais de construção. Na hora do pagamento, ele chegou a passar o cartão, mas desistiu do parcelamento logo em seguida quando viu que seriam cobrados juros. “Imediatamente eu falei para cancelar e paguei a vista (…). Depois, liguei para o banco e eles falaram que a compra foi cancelada”.
As faturas com a cobrança indevida, contudo, chegaram à casa de Ribeiro. Como não devia, ele não pagou, e a financeira inseriu seu nome no cadastro de inadimplentes. “Eu tinha mais de 50 ligações para o banco do telefone fixo aqui de aqui de casa e eles não resolviam (…). O que importava mais era limpar meu nome”, relata. O segurança só conseguiu ter o nome retirado do cadastro após procurar uma associação de defesa do consumidor. Mesmo assim, entrou com processo contra o banco por danos morais. O acordo com a indenização de R$ 8 mil saiu em setembro.
A aposentada Luci Menezes, de 71 anos, vai tentar a mesma sorte de Ribeiro e buscar solução na Justiça. A família dela procura desde o começo deste ano transferir um número de telefone para um novo endereço, sem sucesso. Foram mais de 15 ligações à operadora. O prazo dado é de três dias para resolver o problema, o que nunca acontece. “Essa conversa começou em fevereiro e até hoje não resolveram”, diz Nilton Cabral, genro da aposentada. “A documentação toda e os 40 protocolos estão com a nossa advogada para entrar com um processo”, afirma.
Legislação
A Lei do SAC vale para todas as empresas prestadoras de serviços que são reguladas pelo poder público (energia elétrica, telefonia móvel ou fixa, televisão por assinatura, planos de saúde, aviação civil, empresas de ônibus interestaduais, seguradoras, bancos, financeiras, operadoras de cartões de crédito, consórcios).
Os atendimentos feitos pelas empresas de contact center no país estão concentrados nas empresas previstas pela lei: cerca de 84% vão para o setor financeiro (com 33%) e de telecomunicações (51%), de acordo com dados coletados pela empresa Contax, a maior do mercado. Utilidades ficam com 6% de participação e, o restante, para outros serviços.
De acordo com Marcucci, o crescimento do número de reclamações ao Procon prova que as empresas não estão cumprindo o decreto, tendo em vista que o consumidor só procura os órgãos de defesa quando não consegue solução no SAC. “Quando eles vêm até o Procon, 99% já tentaram resolver o problema no SAC e não conseguiram”, diz.
Apelação à Justiça
Mesmo com a atuação do Procon, contudo, muitas empresas ainda não resolvem o problema e os consumidores são orientados a entrar com ação na Justiça. Das 153 mil reclamações registradas pelos Procons no país no ano passado, 37% não foram atendidas, diz o Ministério da Justiça.
“Chama atenção a proporção de fornecedores que deixaram de atender às reclamações dos consumidores, pois ela revela a incidência da situação em que, mesmo tendo duas ou mais oportunidades de resolver o problema (na tentativa de acordo preliminar e na audiência que, em geral, ocorre no processo administrativo), ainda assim o fornecedor não atende a reclamação do consumidor”, destaca relatório do ministério.
O problema acontece mesmo com o aumento do número de postos de atendimento ao consumidor. Dados da Associação Brasileira das Relações Empresa Cliente (Abrarec) o número de postos de atendimentos (PAs) no mercado praticamente dobrou em quatro anos: de 471 mil em 2009 para a projetação de 812 mil até o final deste ano (contando atendimentos internos nas empresas e os das terceirizadas).
O volume movimentado pelo setor também cresceu no período: de R$ 21,03 bilhões em 2009 para a projeção de R$ 35,08 bilhões neste ano. De acordo com Stan Braz, diretor-executivo da Abrarec, as empresas investem em melhora no atendimento. “Quase 7% do faturamento é investido em tecnologia e recursos humanos e treinamentos”, diz.
Fiscalizações
Marcucci diz, contudo, que desde a criação do decreto, as centrais têm melhorado o atendimento em alguns quesitos. “Ele consegue fazer o registro da reclamação, o que não está sendo atendido é o prazo de cin dias [previso no decreto]. O consumidor continua não tendo o problema resolvido”, afirma.
Tanto os Procons quanto as agências reguladoras fiscalizam o cumprimento da lei. Os fiscais ligam para os SAC e testam se as regras estão sendo cumpridas. Entre elas estão: prazo de cinco dias úteis para resolver as reclamações; suspensão imediata de cobranças indevidas e tempo máximo de 60 segundos para contato direto com o atendente, quando a opção for selecionada. Segundo o decreto federal, o SAC deve, ainda, ter telefone gratuito (0800) e funcionar 24 horas por dia, durante sete dias da semana.
De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), após o decreto as reclamações dos consumidores sobre os serviços das operadoras do setor caíram. No caso da telefonia móvel, a queda foi de 93,7 mil atendimentos para 68,8 mil em 2011. Para telefonia fixa, a queda foi de 44,7 mil para 28,5 mil. No caso de internet, de 9,2 mil para 7,2 mil.
“Observa-se que, após a vigência do decreto SAC nº 6.523 (…), várias ações foram implementadas pelas prestadoras no sentido de atender as exigências impostas. Além disso, uma nova consciência de atendimento foi despertada e a sociedade passou a exigir melhor qualidade”, avalia a Anatel, em nota.
No Procon-SP, 53 empresas foram autuadas em 2011 pelas falhas (o monitoramento foi feito no SAC de 78 empresas). Em 2010, foram 42.
No caso do Procon, as empresas autuadas respondem a processo administrativo e podem ser multadas em valor que varia de R$ 400 a R$ 6 milhões. Além disso, estão sujeitas à suspensão temporária da comercialização de serviços. Na Anatel, sanções variam de advertência a multas com teto de R$ 50 milhões.
O especialista em direito do consumidor, Marcelo Segredo, diretor da Associação Brasileira do Consumidor (ABC), contudo, pondera que, em muitos casos, as empresas apostam que não serão punidas. “O consumidor, não há dúvida que ele está mais consciente, e vai continuar dobrando o número de reclamações por parte dele. Por outro lado, as empresas continuam apostando na impunidade”.
Ele avalia que a melhora de cenário pede mudança de postura de toda a sociedade. “Enquanto o judiciário não tiver mão pesada para punir e condenar, essa história não vai mudar”, diz. Ele avalia, ainda, que o consumidor também tem sua parcela de culpa. “Ele não deve comprar com as empresas mais reclamadas, procurar mais a Justiça. Às vezes ele vê um problema acontecer do lado dele, de alguém que tomou prejuízo, e compra da mesma empresa”, avalia.
Para ler essa notícia no site do G1, clique aqui