Por Melissa Aguiar, advogada da Areal Pires Advogados
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) é o conjunto de normas que visam a proteção aos direitos do consumidor ao disciplinar as relações de consumo e estabelecer responsabilidades entre fornecedores e consumidores finais, estabelecendo referências de condutas, prazos e penalidades.
Relação de consumo é toda relação jurídica contratual que envolva a compra e venda de produtos, mercadorias ou bens móveis e imóveis, consumíveis ou inconsumíveis, fungíveis ou infungíveis, adquiridos por consumidor final, ou a prestação de serviços sem caráter trabalhista. Essa proteção visada pelo código consumerista, de acordo o seu art. 2º, é destinada para toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Sobre a interpretação do termo “consumidor final”, após controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de que destinatário final deve ser determinado através da Teoria Finalista, que visa proteger aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja pessoa física ou jurídica.
Nesta esteira, adentra-se a um tema que ainda suscita muitas dúvidas em consumidores e operadores do direito: aplica-se o Código de Defesa do Consumidor as relações condominiais?
Em primeira análise, toma-se por base a dúvida recorrente de se aplicar ou não o Código de Defesa do Consumidor quando trata-se da relação condomínio e condômino.
Para este tipo de relação, aplicam-se legislações específicas e de forma hierárquica: Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Lei 4591/64 – que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias – a convenção condominial e o regimento interno.
Sendo assim, muitos se perguntam se as quotas condominiais são decorrentes de relação de consumo. Estas não se caracterizam como relação de consumo pois são um rateio de despesas do próprio condomínio previstas em convenção condominial ou assembleia geral (manutenção, encargos trabalhistas, despesas comuns de todos os condôminos).
A responsabilidade do condômino por estas despesas encontra previsão no artigo 1.336, I do Código Civil, que prevê como responsabilidade do condômino a contribuição pelas despesas na proporção das suas frações ideais.
Sendo assim, haja vista a relação ser tratada em lei, não aplica-se o CDC à relação entre condômino e condomínio, subsistindo a aplicação da lei especializada. Isto porque, essa relação jurídica é regulada pelo Código Civil e tem como objetivo os problemas relacionados aos usos e ocupações das áreas comuns, relações de vizinhança, multas, inadimplência etc.
O condômino não é o destinatário final de um produto ou serviço oferecido pelo condomínio e este, por sua vez, não faz a função de fornecedor. O condomínio nada mais é do que uma figura jurídica que representa a coletividade dos condôminos.
A controvérsia da aplicação do código consumerista as relações condominiais abrange também a posição do condomínio enquanto consumidor, com respaldo no art. 2º do CDC, citado acima, que dispõe que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Além disso, no parágrafo único deste dispositivo, é expresso que equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Portanto, quando o síndico representa os direitos dos condôminos, está exercendo a defesa de interesses coletivos, enquadrando-se no artigo 2º, parágrafo único, do CDC.
Importa destacar que o Código Civil inclui a possibilidade de o condomínio agir em juízo, ativa e passivamente, desde que representado pelo administrador ou síndico.
Recentemente, no julgamento do Recurso Especial nº 1560728/MG, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou favorável à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em demanda judicial ajuizada por um condomínio em face de uma construtora. No mesmo sentido, através do julgamento do Recurso Especial nº 1.560.728/MG, de relatoria do Desembargador Paulo de Tarso Severino, o nobre Desembargador entendeu que “o condomínio detém legitimidade para defender os interesses comuns de seus condôminos, justamente por ser constituído da comunhão dos seus interesses, não se poderia restringir a tutela legal colocada à sua disposição pelo ordenamento jurídico. Não haveria cabimento em forçar cada um dos integrantes do condomínio a ingressar em juízo isoladamente para obter a tutela do CDC.”
Isto exposto, o conceito de consumidor previsto no CDC deve ser interpretado de forma ampla, em conformidade com o parágrafo único do artigo 2º, em que o consumidor é equiparado à “coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” e, em contrapartida, não se aplica o CDC na relação entre condômino e condomínio justamente por não se caracterizar relação de consumo, e sim, comunhão de interesses e rateio de despesas. A responsabilidade do condomínio frente ao condômino deve ser verificada de acordo com as regras ordinárias previstas no Código Civil e das convenções e regulamentos internos do condomínio.