Previsão do CPP dispõe multa de 10 a 100 salários-mínimos para o advogado que abandonar processo sob sua responsabilidade.
Na sexta-feira, 26, está marcado para ser iniciado em plenário virtual do STF o julgamento de ação que questiona dispositivo do CPP na parte que prevê multa de 10 a 100 salários-mínimos para o advogado que abandonar processo sob sua responsabilidade. A relatora é a ministra Cármen Lúcia.
A ação foi ajuizada pelo Conselho Federal da OAB ao contestar a lei 11.719/08, que alterou o CPP. Tal mudança, restou assim redigido:
“Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.”
Para a Ordem, representada pelo advogado Marcus Vinícius Furtado Coêlho, além de violar o livre exercício da advocacia previsto no artigo 133 da Constituição Federal – por retirar da OAB a atribuição de punir seus inscritos (artigo 5º, XIII), esta alteração no CPP afronta a Constituição ao prever a aplicação de uma pena sem o devido processo legal, por não assegurar ao profissional o exercício do contraditório e da ampla defesa, conforme o artigo 5º, LIV e LV da Carta.
Amicus curiae
O IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros foi admitido com amicus curiae. Segundo o advogado Pedro Paulo de Medeiros, representante do Instituto, o artigo em questão “tornou a advocacia criminal um risco desmedido, pois é a única previsão legislativa existente no país que dispensa, para aplicação de uma pena, todas as garantias constitucionais do cidadão”.
Desta forma, a entidade opina pela concessão de liminar para suspender a norma questionada, e no mérito a declaração de inconstitucionalidade do artigo 265 do CPP, com a redação dada pela Lei 11.719/08, ou, pelo menos, a parte que trata da previsão de aplicação de multa.
Fonte: Migalhas
Opinião, por Renata Medina, advogada da Areal Pires Advogados
A alteração promovida no artigo 265 do Código de Processo Penal pela Lei 11.719/08 tem sido pauta de grandes polêmicas e debates dentro do Judiciário e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A causa disso é que o presente dispositivo supramencionado arbitra uma pena alta para o advogado que vier a abandonar processo sem qualquer motivo imperioso e sem comunicação previa ao juiz.
Pela nova leitura do artigo 265 do CPP, a pena para este delito é de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
A Ordem dos Advogados do Brasil reagiu com bastante preocupação em relação a esse dispositivo penal, exatamente porque ele restringe o livre exercício da advocacia protegido pelos dispositivos constitucionais, 5º XIII e 133 da nossa Carta Magna, ora a Constituição Federal e não assegura ao profissional o devido exercício do contraditório e da ampla defesa, princípios estes tão importantes dentro do nosso ordenamento penal.
Além disso, a OAB defende que cabe exclusivamente ao Conselho Seccional da base territorial em que ocorreu a infração a competência de punir seus inscritos, conforme estabelece o artigo 70 §1 da Lei 8906/94 Estatuto da Advocacia e da Oab.
De acordo com a OAB, a redação anterior deste artigo já previa essa sanção. “Todavia, muito embora já existisse esse regramento no ordenamento jurídico não havia notícias de sua aplicação, nem de condenação de advogado no pagamento das multas que estipulava.” Isso porque, explica a Ordem, na redação anterior o efeito prático consistia em autorizar o magistrado a não adiar audiência ou ato processual pela ausência do advogado.
Diante disso, a OAB resolveu ajuizar a ação direta de inconstitucionalidade de preceito fundamental (ADPF) de nº 4398, contestando a legalidade do art. 265 do Código de Processo Penal.
A presente ação será então julgada em breve pelo Superior Tribunal Federal, tendo como a participação do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) como amicus curie.
É importante destacar que recentemente tivemos uma decisão proferida pelo STJ em que se entendeu pelo afastamento da multa prevista no artigo 265 do CPP em um caso envolvendo uma advogada que veio a supostamente abandonar o processo, por ter deixado de praticar ato processual.
A presente ação caiu na relatoria do Min. Nefi Cordeiro, que entendeu por não considerar abandono do processo a situação do advogado que deixa de praticar um ato processual.
Ao analisar o recurso, o ministro considerou que transcorreu pouco mais de um mês entre a primeira intimação da advogada para apresentar as razões de apelação e a imposição da multa. Segundo Nefi Cordeiro, o STJ tem precedentes no sentido de que “não realizar apenas um ato processual” não configura abandono.
Neste compasso, a Min. Maria Tereza de Assis Moura concluiu seu raciocínio, afirmando que a multa prevista no art. 265 do CPP somente poderia ser aplicada em situações em que se fique demonstrado que, sem comunicação prévia ao juiz do feito, o advogado (defensor) abandonou, sem justo motivo, o processo, a causa, deixando o cliente indefeso.
Com base nisso, verifica-se que os Tribunais Superiores não têm aplicado o novo dispositivo 265 do CPP a todo e qualquer caso de abandono, tendo analisado o caso de forma mais criteriosa.
A grande preocupação da OAB é que este novo dispositivo venha a criminalizar a conduta do profissional da advocacia sem que sejam observadas as devidas garantias constitucionais, que, por sua vez, devem ser aplicadas a todo e qualquer cidadão brasileiro.
Como o Código de Processo Penal segue uma linha mais garantista, esse dispositivo vai contra a própria natureza do Codex, violando, assim, garantias e princípios constitucionais.
Assim, caberá ao Superior Tribunal Federal a tarefa de debater a legalidade do novo dispositivo 265 do Código de Processo Penal, oportunidade em que, ao mesmo tempo, também deverá delimitar os novos rumos da advocacia brasileira.