São inúmeras as ações na justiça, atualmente, nas quais se discute a abusividade da cláusula contratual que prevê o reajuste das mensalidades dos planos de saúde pela sinistralidade. Fundamentando-se no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, consumidores de planos de saúde demandam contra operadoras de saúde pleiteando a redução do valor da mensalidade, pois, na maioria dos casos, esse tipo de reajuste eleva muito o valor do prêmio, o que acaba, frequentemente, inviabilizando a continuidade da prestação dos serviços em razão da inadimplência desses consumidores, que não conseguem suportar os pagamentos.
Inicialmente, cumpre trazer à tona um simples conceito do que é a sinistralidade: trata-se de um indicador financeiro que reflete a relação entre os sinistros pagos e o valor do prêmio. Trocando em miúdos, é um indicador que prova se o contrato ainda está compensando financeiramente para as partes, ou seja, se o valor pago como prêmio (mensalidade) é justo e mantém a relação contratual financeiramente equilibrada, considerando os sinistros pagos.
Para que o reajuste por sinistralidade possa ser considerado legal, não pode haver violação das normas e princípios do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Nesse sentido, devem ser observadas algumas questões principais: (i) sua aplicação deve estar prevista em contrato; (ii) a cláusula contratual que prevê esse tipo de reajuste deve ter sido redigida observando-se um princípio básico do consumidor, qual seja, o de ser informado claramente sobre o que está contratando (art. 6º, III); (iii) o índice aplicado não pode ser dissonante da realidade econômica do país, o que fatalmente causará desequilibro financeiro ao contrato e causará desvantagem exagerada ao consumidor do plano de saúde.
Nesse sentido, esclarece-se que o direito de informação do consumidor reflete um dever da operadora de saúde e, conforme bem ensina José Geraldo Brito Filomeno, “trata-se do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles”.
Mas o que se tem visto, razão da enxurrada de ações na Justiça nas quais se discute esse tipo de reajuste, é que os contratos até prevêem o aumento do prêmio em razão da alta na sinistralidade, mas a cláusula contratual que autoriza a operadora de saúde a tomar essa atitude foi redigida de maneira obscura e com fórmulas e cálculos de difícil compreensão, que não permitem ao consumidor saber exatamente o quanto o prêmio será reajustado. E, ao mesmo tempo, o índice aplicado, em alguns casos mais de 800%, elevam em demasia o valor do prêmio, o que, muitas vezes, inviabiliza o pagamento por parte do consumidor.
Em razão disso, a grande maioria das decisões judiciais tem considerado nula a cláusula contratual que prevê o reajuste por sinistralidade, em atendimento a disposto no art. 51, incisos IV, X, XV e §1º incisos I, II e III do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Entendem os julgadores, entre outras questões, que o reajuste por sinistralidade: (i) não prevê de maneira expressa, exata e com detalhes os percentuais a serem aplicados, não tornando possível ao consumidor a verificação da correção do reajuste, situação que viola o art. 54; §4º do CPDC; (ii) elevam a prestação para fora da realidade, causando instabilidade no contrato, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada e em situação de grave risco à saúde; (iii) por ser unilateral, permite que prevaleça o interesse da operadora de
saúde por meio de cálculos e custos desconhecidos, o que fere o princípio da transparência na execução dos contratos.
Acertadamente, essas decisões são a maioria no judiciário brasileiro, que decidiu por proteger o consumidor, parte vulnerável na relação contratual. E o faz para evitar que esse mesmo consumidor, que por anos pagou a mensalidade para a operadora de saúde (em muitos casos sem se utilizar da cobertura oferecida e que, nem por isso, pleiteou a redução pela “baixa” sinistralidade), fique desamparado, com sua vida e saúde exposta a graves riscos, por causa de uma rescisão contratual motivada por inadimplência, esta, por sua vez, ocorrida em razão de abusivos reajustes da mensalidade que impossibilitem ao consumidor o cumprimento de sua obrigação principal na relação contratual, qual seja, a de simplesmente pagar o prêmio para ter acesso aos serviços contratados.
Publicação Junho / 2009 – Direitos Autorais Reservados
*Melissa Areal Pires é advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil nas Seções dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Associada à AASP (Associação dos Advogados de São Paulo). Formada pela UFRJ, pós-graduada em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá em convênio com a Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Atuante na área do Direito à Saúde em todo o Território Nacional, com larga experiência em São Paulo e Rio de Janeiro. Sócia Fundadora do escritório de advocacia Areal Pires Advogados Associados.