Por Melissa Areal Pires, advogada especialista em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde e Direito do Consumidor da Areal Pires Advogados
Alguns dias depois de o Ministério da Saúde editar a portaria 467/2020, em resposta ao ofício 1756/2020, enviado pelo CFM, por meio do qual o órgão comunicava que permitia, enquanto durar o enfrentamento ao coronavírus e em caráter excepcional, a realização da telemedicina no Brasil, foi sancionada e publicada no Diário Oficial de 16 de abril de 2020 a lei 13.989 dispondo sobre o uso da telemedicina no combate ao coronavírus.
A portaria 467/2020 do Ministério da Saúde já dispunha sobre a utilização da telemedicina enquanto durar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), declarada por meio da Portaria nº 188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020, com o objetivo de reduzir a propagação do coronavírus e proteger as pessoas.
No ofício enviado pelo CFM ao Ministério da Saúde, que resultou na edição da referida Portaria 467/2020, o órgão reconheceu a legalidade de 3 práticas médicas que permitem a troca de informações e opiniões exclusivamente entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico, nos seguintes termos:
1) Orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento;
2) Monitoramento a distância parâmetros de saúde ou doenças
3) Consultas
Eis os termos do ofício enviado pelo CFM ao Ministério da Saúde:
“1. Tendo por fundamento que o Brasil já entrou na fase de explosão da pandemia de COVID-19 e que estamos a frente a uma das maiores ameaças já vivenciadas pelos sistemas de saúde do mundo, com risco real de sequelas e mortes na população;
2. Tendo por fundamento o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a pandemia e a decretação de estado de calamidade pública pelo Estado Brasileiro;
3. Tendo por fundamento a situação criada pela propagação descontrolada da COVID-19, que pode ser efetivamente combatida com isolamento social e eficiente higienização e, finalmente;
4. Tendo por fundamento a necessidade de proteger tanto a saúde dos médicos, que estão na frente de combate dessa batalha, como a dos pacientes;
5. Este Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu aperfeiçoar ao máximo a eficiência dos serviços médicos prestados e, EM CARÁTER DE EXCEPCIONALIDADE E ENQUANTO DURAR A BATALHA DE COMBATE AO CONTÁGIO DA COVID-19, reconhecer a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina, além do disposto na Resolução CFM nº 1.643, de 26 de agosto de 2002, nos estritos e seguintes termos:
6. Teleorientação: para que profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento de pacientes em isolamento;
7. Telemonitoramento: ato realizado sob orientação e supervisão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de saúde e/ou doença.
8. Teleinterconsulta: exclusivamente para troca de informações e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico.
9. Toda essa normatização caminha no mesmo sentido do trabalho conjunto realizado por todas as autoridades públicas competentes para se manifestar
sobre o tema e ressalta, novamente, o papel do CFM como Autarquia Federal apoiadora das políticas públicas de saúde estabelecidas em prol da população brasileira.
10. Sendo o que se apresenta para o momento, renovamos nossos votos de elevada estima.
Portanto, desde a portaria 467/2020 do Ministério da Saúde, a telemedicina já está autorizada para o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada.
Segundo o referido ato normativo, o atendimento, o qual deve, obrigatoriamente, ser registrado em prontuário, necessitar ser realizado entre médicos e pacientes por meio de tecnologia que garanta a integridade, segurança e o sigilo das informações.
Os médicos foram autorizados, pela Portaria 467/2020 do Ministério da Saúde, a emitir atestados ou receitas médicas em meio eletrônico, desde que o documento seja certificado pelo sistema do ICP-Brasil ou tenha outros mecanismos de segurança, como, por exemplo, dados que possa permitir a identificação, posterior, de qualquer modificação posterior na receita.
Importante destacar que, em caso de medida de isolamento determinada por médico, de acordo com a Portaria 467/2020 do Ministério da Saúde, caberá ao paciente enviar ou comunicar ao médico:
I – termo de consentimento livre e esclarecido de que trata o § 4º do art. 3º da Portaria nº 356/GM/MS, 11 de março de 2020; ou
II – termo de declaração, contendo a relação das pessoas que residam no mesmo endereço, de que trata o § 4º do art. 3º da Portaria nº 454/GM/MS, 20 de março de 2020.
Quando esta portaria foi editada, ressurgiram os debates na sociedade acerca da regulamentação da telemedicina, editada em regime de exceção tanto pela Portaria 467/2020 do MS quanto, agora, pela lei 13.989/20.
Atualmente, está em vigência sobre o assunto a Resolução CFM 1653/2002, a qual conceituou a Telemedicina como “o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde”.
Em 2018, o CFM, objetivando atualizar a regulamentação, publicou nova resolução sobre o assunto, de n. 2.227/2019, definindo e disciplinando a telemedicina como forma de prestação de serviços médicos mediados por tecnologias. Contudo, esta resolução foi revogada um mês depois.
Há também o Parecer CFM n. 14/2017, que permitiu o uso do Whatsapp e plataformas similares para comunicação entre médicos e seus pacientes, bem como entre médicos e médicos, em caráter privativo, para enviar dados ou tirar dúvidas.
Com a entrada em vigência da lei 13.989/20, a sociedade passa a ter mais um ato normativo regulando, ainda que temporariamente, regulando a matéria.
A lei é curta. São 7 parágrafos, tendo havido dois vetos pelo chefe do poder executivo.
Segundo a lei, o médico deverá prestar ao paciente todas as informações a respeito do serviço, especialmente as suas limitações. A lei determina, ainda, que o serviço prestado por telemedicina deverá seguir os mesmos padrões normativos e éticos do atendimento presencial, inclusive em relação ao valor cobrado.
O primeiro veto foi quanto à regulamentação da telemedicina em momento posterior ao período de crise. O texto original previa que a regulamentação seria feita pelo CFM e o veto foi justificado no fato de que se entende que as atividades médicas devem ser reguladas por lei e não pelo CFM.
O segundo veto foi quanto a questão das receitas médicas digitais. O dispositivo vetado permitia receitas médicas apresentadas digitalmente, desde que possuíssem assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição.
O veto foi defendido por algumas entidades, tais como o CFF (Conselho Federal de Farmácia) e pela SBIS (Sociedade Brasileira de Informática em Saúde), sob a justificativa de que a redação abria brecha para fraudes, pois não especificava requisitos de segurança para as prescrições eletrônicas.
Nas razões do veto, foi sustentado o risco sanitário à população, já que o projeto aprovado no Congresso igualava um documento eletrônico de fácil adulteração à assinatura digital com certificados do sistema ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira).
Segundo as justificativas prestadas pelo Poder Executivo, tal situação “poderia gerar o colapso no sistema atual de controle de venda de medicamentos controlados, abrindo espaço para uma disparada no consumo de opioides e outras drogas do gênero, em descompasso com as normas técnicas de segurança e controle da Anvisa”.
Portanto, o veto seguiu o posicionamento das entidades representativas do setor, que também entendem que somente a assinatura eletrônica com certificado ICP-Brasil garante a autenticidade do documento.
Verifica-se que essa questão da receita digital já havia sido normatizada pela Portaria 467/2020 do MS nessa mesma linha da necessidade da certificação digital. A portaria previa o seguinte para a questão das receitas digitais:
Art. 6º A emissão de receitas e atestados médicos à distância será válida em meio eletrônico, mediante:
I – uso de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil;
II – o uso de dados associados à assinatura do médico de tal modo que qualquer modificação posterior possa ser detectável; ou
III – atendimento dos seguintes requisitos:
a) identificação do médico;
b) associação ou anexo de dados em formato eletrônico pelo médico; e
c) ser admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.
§ 1º O atestado médico de que trata o caput deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
I – identificação do médico, incluindo nome e CRM;
II – identificação e dados do paciente;
III – registro de data e hora; e
IV – duração do atestado.
§ 2º A prescrição da receita médica de que trata o caput observará os requisitos previstos em atos da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A regra do parágrafo 2º do art. 6 acima visa garantir cumprimento das regras da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que preveem a necessidade de assinatura digital com ICP-Brasil para medicamentos controlados antimicrobianos e para aqueles que exigem receita em duas vias.
Toda a sociedade aguarda com bastante apreensão as consequências da assistência médica a ser prestada via telemedicina. As falhas precisarão ser cuidadosamente avaliadas pelos gestores da saúde pública e privada, para fins de aprimoramento do serviço, que já é uma realidade em grande parte do mundo, mas que, no Brasil, encontra uma série de obstáculos no caminho em busca de uma melhor assistência médica.